Y 11|ABRIL|2003
música|tantra
Tantra,
Manuel Cardoso, Terra. O regresso da mais importante banda de Rock progressivo português, com os seus delírios mas também o seu idealismo.
frodo ataca
“Terra” é um álbum pautado por preocupações
humanísticas e ecológicas. Também um testemunho apocalíptico de tempos à beira
do fim. Manuel Cardoso, místico e admirador de Björk, tem, porém, os pés
assentes na terra. “Terra” poderá ser o início de um novo ciclo que dará a
Frodo uma nova missão. E os Tantra poderão voltar a tocar ao vivo, embora sem a
teatralidade que marcou as suas atuações nos anos 70. “Não voltarei a mudar de
roupa seis ou sete vezes por espetáculo. Não perdi a energia mas agora apetece-me
apenas tocar e compor. Num contexto como o da música de câmara”, diz Manuel Cardoso/Frodo.
Que ainda não perdeu o anel do poder e o tenta lançar à Terra.
Existe
em “Terra” uma continuidade apesar da produção ter pouco a ver com a realidade,
em 1977, que deu origem a “Mistérios e Maravilhas”...
Quando
fizemos a primeira maqueta, os temas soavam já aos Tantra. Foi importante
seguir o aspeto espiritual e musical anteriores, senão não faria sentido manter
o nome. Tantra é uma forma de olhar o mundo, com fazer algo superior a nós próprios,
em conjunto. A música é complexa mas não por futilidade.
A
introdução do tema “Estrada sensível” faz-se através de uma sequência eletrónica
que soa computorizada...
Mas
não há um único computador! Temos o Guilherme da Luz, que faz os efeitos
sonoros, com sintetizadores analógicos e digitais. Ele e eu temos um projeto
paralelo de música cósmica com guitarras completamente loucas, chamado Everness,
com o qual já gravámos um CD de edição limitada.
Por que
razão chamaram ao disco “Terra”. Não é um pouco redundante?
Refere-se
a algo mais do que o simples aspeto ecológico. Os textos e a lógica de algumas
composições deste “concept album” reportam-se ao facto da Terra não ser senão
uma parte de nós. Não existe isso de “salvar a Terra”; ou salvamos tudo ou não
salvamos nada. Nós somos a Terra, o inimigo somos nós. A luta consiste em
salvar a nossa ideia de civilização e em criar harmonia para que o planeta e os
seus habitantes formem uma única entidade. A ecologia só faz sentido inserida
numa perspetiva de uma mudança global.
Mas o
mundo criado para a capa do disco é um mundo virtual criado por computador...
Não
queríamos cair nem na descrição básica nem no bonitinho horroroso. Tentámos
fazer passar a imagem de uma viagem de estados de espírito que, no fundo, é uma
chamada ao “Eu” que está parado, algures, à espera que o assunto se resolva. Há
uma parte de nós que descansa num paraíso interior esquecido, à espera que o mundo
seja salvo por si, mas temos que ouvir as vozes que nos chamam para a luta,
fazer a transposição e passar para o lado de cá e estar ativo. Tudo se passa
num universo onírico. Entre a realidade e o sonho onde todos habitamos.
As
vocalizações estiveram a seu cargo, embora não seja propriamente um grande
cantor. A que se deveu esta opção?
Já
nos discos antigos me debrucei sobre esse assunto. Substitui-se ou não o
cantor? Canto razoavelmente em inglês, em português, no rock, não, já não
gosto. A questão está em que não sou um cantor nem faço esse papel, mas um narrador
melódico, teatral. Teatralizo, sou alguém que está a viver uma experiência, a
gritá-la do fundo da alma. A voz é um instrumento solo, como a guitarra.
Como
Peter Gabriel?
Mas
o Peter Gabriel canta melhor do que eu! Digamos que as atitudes são
semelhantes.
Tudo
isso se sente no tema “À beira do fim”. Não é tecnicamente famoso mas a emoção
passa. Talvez mais ainda do que no original de 1977.
É
o tal elo que liga espiritual e até musicalmente os Tantra antigos aos atuais.
Infelizmente o mundo não mudou nada. A realidade está como estava nessa altura.
A nova roupagem tem a ver apenas com um novo som e um novo espírito da banda.
Menos frenético. Eu estou mais calmo.
A
partir de 1976, o termo “Progressivo” foi banido. Hoje a situação mudou, com o
termo a ser, inclusive, adotado de forma abusiva. Como explica esta viragem?
Sente-se
um grande cansaço em relação às soluções repetitivas do rock e da pop. Embora a
pop, estranhamente, de há uns dez anos a esta parte, até seja mais inovadora,
sobretudo pelo lado das mulheres. Estou a pensar nas grandes cantoras folk e
country americanas que têm dado lições. Mas também na Björk, um génio. Ouço-a cantar
e páro — pela voz, pela originalidade e estranheza dos ambientes.
Que
discos tem dela?
Nenhum.
Nunca tive discos. Ouço música nos sítios. Nunca tive gira-discos na minha
vida, não gostava de discos. Gostava das capas, de os ver redondinhos, mas
detestava o som. Ouvia música no carro em cassetes. Só agora comecei a fazer uma
coleção de CD, cujo som me agrada: música clássica... e a refazer o meu “top
ten” antigo, do que tinha em cassetes, Rolling Stones, Hendrix...e coisas mais
novas, Anglagard...e portugueses — adoro os Madredeus, os The Gift...
Existiu
nos anos 70 um Progressivo português?
Antes
dos Tantra existiram grandes bandas de Progressivo, os Kama Sutra e os Ephedra.
Não perdia um concerto destes últimos. Já tinha visto ao vivo os The Byrds,
Frank Zappa, Pink Floyd, Supertramp, Mahavishnu Orchestra, Hawkwind, mas no
“top one” das bandas que vi ao vivo estão os Ephedra. Além dos Tantra, era o
rock mais bonito que se fazia em Portugal. Menos a meu gosto, mais para o lado
dos Van Der Graaf Generator e King Crimson, havia os Kama Sutra e os Ara-Zen.
Depois dessas bandas surgiram os Anangaranga e uns assomos mais pró-sinfónicos dos
Beatnicks pós-Tantra.
O
que tinham os Tantra a mais do que a concorrência?
Acima
de tudo, determinação e trabalho. Durante três, quatro anos, trabalhámos 8 a 12
horas por dia, incluindo sábados. E estava lá eu, que tenho tendência para
lutar pelas coisas, para não deixar que haja o mínimo esforço estúpido. O
defeito de muitas bandas portuguesas é perderem muita energia em
discussõezinhas, parvoeiras e tricas. Onde eu estou não há tricas. Também
pertencíamos a um meio burguês que nos permitiu ter algum apoio, embora tivéssemos
pago todo o nosso material com um empréstimo bancário, pago até ao último
tostão.
Concorda
com quem chamava aos Tantra os “Genesis portugueses”?
Não.
Mas nunca me chateou. Era uma visão curta das coisas, apenas se reparava nos
pormenores. É o mesmo dizer que o Mahler sofreu influência de Beethoven e Bach
e que, por esse motivo, eram iguais. Todos aprendemos uns com os outros. Uma
das coisas que me dá mais prazer, é ler nos “sites” de Progressivo que os
Tantra não se parecem com ninguém.
Frodo,
a personagem tirada de “O Senhor dos Anéis”, volta a estar presente em “Terra”.
O recente interesse pela obra de Tolkien teve influência nesse regresso?
As
pessoas achavam que o Manuel Cardoso, por fazer meditação, devia ser uma
determinada personagem. Inventei o meu próprio Frodo. O Frodo tinha uma
qualidade que existe em todos nós: é um herói, falha imenso e precisa dos
outros. Hoje continuo a ser Frodo. Gostaria muito de poder dizer que sou o
Gandalf, mas não sou. E se alguma vez na vida chegar a ser o Gandalf, o
feiticeiro, serei sempre o “cinzento” e não o “branco”.
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