19 ABRIL 2003
JAZZ
DISCOS
Três discos de música feita em Portugal para
os quais o rótulo “jazz” faz pouca diferença. Pós-rock, progressivos ou em
improvisação livre, pedem apenas que os ouçam de ouvidos limpos.
Um leopardo azul
suspenso no trapézio
Azul
é vermelho-vivo na capa do novo trabalho do trio formado pelo contrabaixista português
Carlos Bica, o guitarrista alemão Frank Möbus e o baterista americano Jim Black,
prosseguindo deste modo uma colaboração que em “Twist” já dera bons frutos.
“Look what They’ve Done to My Song”, título inspirado na canção “What have
they’ve done to my song, ma”, de Melanie (cuja versão, aliás, faz parte do alinhamento),
é um daqueles disco que dilui as fronteiras entre o jazz e o rock. Ao lado do
jazz em papel milimétrico com desenhos em cima de um Bica swingante, um Möbus
mais introspetivo e “friselliano” do que mostrou no recente Festival de
Portalegre e um Black menos esfuziante, mas não menos imaginativo do que também
mostrou em Portalegre, “Look what They’ve Done to My Song” inclui momentos de
puro pós-rock, dentro do espírito da primeira fase dos Tortoise, nomeadamente “Password”
e “Bela”. O momento mais belo é, porém, uma belíssima versão, em registo de
câmara — com colaborações de Katharina Gramss, no violino, e Mike Rutledge, na
viola de arco (Mike Rutledge? Um nome destes só pode ser piada, se considerarmos
que o compasso de “Heranças” tem muito dos Soft Machine e que o teclista deste
grupo se chamava... Mike Ratledge) – do tradicional sefardita “Durme”.
Outro trio, este em estreia
discográfica, os Trape-Zape, apresentam o mesmo formato instrumental (menos os convidados)
do Azul de Bica, mas o som e a linguagem resultantes divergem radicalmente. Fernando
Guiomar, na guitarra acústica, Vasco Sousa, no contrabaixo, e João Luís Lobo,
na bateria e percussões, praticam um jazz (?) minimalista, construído sobre um
encadeamento de riffs e floreados melódicos e harmónicos, que ora evocam os
jogos da League of Gentlemen dirigida por Robert Fripp, ora se deixam fascinar
pelo flamenco ou pela bossa-nova, ora ainda cultivam o gosto pelo jazz rock
progressivo, como em “R.I.E.P. (reação involuntária de uma excitação periférica)”,
“Azimute” e “Nocturno (para um cão)” onde chegam a aproximar-se do espírito dos
Genesis, com Fernando Guiomar a envergar o lençol de fantasma de Steve Hackett.
Só com a sua guitarra elétrica, um
arsenal de efeitos e uma visão fragmentadora da composição e do espectro sonoro,
enquanto universos microscópicos explorados de forma concentracionária, Manuel
Mota apresenta em “Leopardo” uma música difícil, que exige níveis de
concentração elevados. As nove manchas-miniaturas do leopardo exploram técnicas
de execução e pormenores sónicos arrancados ao corpo inteiro da guitarra, sem
que daí se vislumbre a mínima concessão ao ritmo e à melodia lineares. A série
“Guitar Solos”, de Fred Frith, ou o “instinto metódico” de Derek Bailey podem
ser convocados para melhor se compreender e apreciar o universo e as práticas improvisacionais
deste músico, para quem a guitarra elétrica é uma ferramenta de investigação e
depuração espirituais. Para compartilhar com muito poucos, num quase autismo
que será o principal defeito deste leopardo suspenso a meio do salto.
CARLOS BICA & AZUL
Look what They’ve Done to My Song
Enja, distri. Dargil
7 | 10
TRAPE-ZAPE
Trape-Zape
Ed. e distri. JIDac
7 | 10
MANUEL MOTA
Leopardo
Rossbin Production
6 | 10
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