11|ABRIL|2003 Y
tantra|música
mistérios e maravilhas do progressivo português
Em Portugal o Progressivo chegou a
conta-gotas. Quando lá fora se varriam os cacos e o punk encolhia o rock’n’roll
a três notas e o dobro de cuspidela, em Portugal os músicos “descobriam” ser
possível fazer algo mais que a canção popular interventiva, a pop canónica dos
Beatles e o nacional-cançonetismo.
Ao
contrário, porém, do que sucedeu em Inglaterra, Itália ou França, faltava-nos
tradição. Tínhamos a MPP de José Afonso e companhia e, mais para trás, o ié-ié.
Também não abundavam os bons executantes e, pior, bons executantes originais.
Restava aos músicos que se deixaram impressionar pelos King Crimson, os Gentle
Giant, os Jethro Tull, os Genesis, os Yes ou os Van Der Graaf Generator
assimilar e copiar os modelos estrangeiros.
Houve
bandas promissoras que nunca chegaram a gravar, como os Kama Sutra ou, para muitos
uma das melhores bandas progressivas portuguesas de sempre, os Ephedra. Os
Psico tinham em Filipe Pires (mais tarde nos Heavy Band, imortalizados numa
célebre primeira parte de um concerto dos Atomic Rooster em Almada) um dos
maiores guitarristas da sua geração. Os Perspectiva guardaram o projeco “A
Quinta Parte do Mundo” na gaveta. Já os Anangaranga deixaram registados “Regresso
às Origens” (79) e “Privado” (80), hoje bastante procurados pelos colecionadores
estrangeiros. Dos Saga há a anotar o conceptual “Homo Sapiens”.
Os
Beatnicks, com a vocalista Lena d´Água, poderiam ter ido mais longe do que
foram. Ficaram a recordação de um concerto inolvidável em Sintra onde o grupo
se entregou com brio à execução de um tema de meia-hora, “Cosmonicação”, no meio
de fumos coloridos e projeção de slides psicadélicos, a gravação de dois
singles e um álbum tardio, “Aspectos Humanos” (1982).
Miguel
Graça Moura, hoje maestro da “clássica”, lançou os Pop Five Music Incorporated
(lembram-se do indicativo do programa radiofónico “Página Um”?) e, a seguir, os
Smoog, um dos primeiros grupos a utilizar um sintetizador Moog, acabado de desembrulhar
por MGM no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, em 1973, na primeira parte de um
espetáculo do “bluesman” Freddie King.
Não
chegava para criar uma atmosfera, muito menos uma corrente. Mantendo apenas
ténues ligações ao Progressivo, a Banda do Casaco, de Nuno Rodrigues e António
Pinho, gravaram álbuns importantes como “Do Benefício de um Vendido no Reino
dos Bonifácios” (74), “Coisas do Arco da Velha” (76), “Hoje há Conquilhas
Amanhã não Sabemos” (77) e “Contos da Barbearia” (78). Mais datado, o álbum dos
Filarmónica Fraude, “Epopeia” (69), destaca-se como uma curiosidade resgatada pelo
tom de crítica social bem humorada das letras de António Pinho. Júlio Pereira
coseu rendilhados progressivos à música tradicional portuguesa em “Fernandinho
Vai ao Vinho...” (76)”. Luís Cília gravou um álbum instrumental de ressonâncias
progressivas, “Transparências” (78). Quanto ao Quarteto 1111, renovou a pop
nacional, entrando para a lenda com “Onde Quando e Porquê Cantamos Pessoas
Vivas” (74).
“Mestre”
(73) e “Ascenção e Queda” (76), dos Petrus Castrus, o segundo recentemente reeditado
em CD em miniatura cartonada, fornecem pistas honestas do que poderia ter sido
o “Progressivo Português” mas não tiveram continuação. Outro álbum,
furiosamente apreciado pelos maníacos colecionadores de Progressivo japoneses,
tem a assinatura de José Cid: “10000 Anos Depois, entre Vénus e Marte” (79, um
delírio “sci-fi” colorido pelas sonoridades do “Mellotron” e do “Moog
Synthesizer”).
Sobram
os Tantra, de Manuel Cardoso, o único grupo clássico do Progressivo lusitano. Tinham
(e têm...) um conceito próprio, presente na teatralidade (a história regista a
apresentação de “Mistérios e Maravilhas”, 1977, no Coliseu de Lisboa como
réplica nacional ao “show” dos Genesis), com máscaras e cenários alusivos, e no
conteúdo musical. Seguir-se-ia “Holocausto” (79) e a posterior encarnação de
Manuel Cardoso na personagem Frodo, que deu origem ao álbum “Noites de Lisboa”
(82). Frodo que agora desceu de novo à “Terra”.
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