08/03/2011

David Bowie

Sons

22 de Outubro 1999
REEDIÇÕES

A lâmpada de Aladino


David Bowie
Space Oddity (9)
The Man who Sold the World (10)
Hunky Dory (8)
The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (10)
Alladin Sane (9)
Pin Ups (8)
Diamond Dogs (10)
Young Americans (8)
Station to Station (8)
Low (10)
Heroes (8)
Lodger (8)
Scary Monsters (and Super Creeps) (8)
EMI, distri. EMI-VC


Esfrega-se a lâmpada e sai de lá um génio. Pelo menos assim o diz a história de Aladino. David Bowie foi o génio que por acaso escolheu Alladin para nome de uma das muitas personagens que encarnou ao longo de uma carreira tão extraordinária como atribulada. A maior parte da sua discografia acaba de ser reeditada pela EMI através do lançamento de 17 títulos que substituem os anteriores na série Sound + Vision. Com novas prensagens remasterizadas, capas reproduzidas com qualidade gráfica superior e, ao contrário das reedições antigas, respeitando na íntegra os alinhamentos originais.

Monumental, a obra de David Robert Jones, mais conhecido por David Bowie, um natural de Brixton com propensões para o teatro, o consumo de cocaína e para revolucionar a cada novo álbum a música pop, ganha a dimensão de uma lenda que a edição do novo “Hours” veio tornar mais nítida e brilhante.
Torna-se claro que o melhor Bowie é o dos anos 70. A década das máscaras. Depois de uma estreia, em 1967, com “David Bowie”, uma das melhores colecções de sempre de canções pop psicadélicas alguma vez editada em Inglaterra, o álbum que verdadeiramente lança Bowie como artista revolucionário é “Space Oddity”, editado em 1969 por ocasião da missão Apollo que partiu à conquista da lua. Major Tom ficou a flutuar pela eternidade fora no espaço, na canção com o mesmo título, cuja edição em single alcançou o Top 10 de vendas no Reino Unido. E as mensagens que enviou para a Terra continuam a bailar no espaço cósmico do nosso cérebro. 10, 9, 8, 7, 6, 5… contagem decrescente de uma viagem que apenas terminaria no final da década seguinte. Mal aceite na altura pela crítica, que procurou reduzir Bowie a um “one-hit-wonder”, “Space Oddity” é o adeus de Bowie à swinging London dos anos 60 e, em paralelo, ao psicadelismo, com uma série de canções bizarras assinadas por um gnomo.
“The Man who Sold the World”, de 1970, é a primeira obra-prima. Bastante mais inspirado que o unanimemente elogiado “Hunky Dory”, é o álbum da loucura e da experimentação com substâncias psicotrópicas, influenciado por acontecimentos como o internamento do seu irmão Terry num hospital psiquiátrico. Em “All the madmen”, um dos mais estranhos e inspirados temas de toda a discografia de Bowie, ouve-se o lamento de lunáticos, o cântico do valium e alucinações de um mundo exterior irremediavelmente perdido. “Black country rock”, o pungente “After all” e o irónico título-tema são pérolas que Bowie transformaria num álbum de recortes em “Hunky Dory”, o disco das homenagens a Andy Warhol, a Bob Dylan e aos Velvet Underground. Mais frágil e acessível que o anterior, inclui “Oh! you pretty things” e “Life on Mars”.
Bowie enverga a seguir a máscara de Ziggy Stardust, rocker glam futurista, no fenomenal “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars”, de 1972, um marco na história do rock ‘n’ roll. Álbum estelar onde são expostas as fantasias adolescentes de uma geração encandeada pela euforia. Até o fim do mundo lhe fazer rebentar na cara a realidade nua e crua. Todas as canções são perfeitas, culminando no apocalíptico “rock ‘n’ roll suicide”.
Depois de se ocupar com o relançamento das carreiras de Lou Reed e dos Mott the Hoople, Bowie reaparece como Alladin, com o corpo pintado de prata, numa projecção lunar de Ziggy Stardust que Bowie “assassina” como na metáfora do filme “Velvet Goldmine”. Álbum de néons e saxofones à chuva “Alladin Sane” (1973) é o cenário dos pesadelos e da poesia urbanos em clássicos como “Drive in saturday”, o ultra-violento “Panic in Detroit”, “Cracked actor” e o decadente “Lady grinning soul”.
O álbum de versões “Pin Ups” (1973) inclui geniais extrapolações para o universo bowieano de “See Emily play”, de Syd Barrett/Pink Floyd, “Friday on my mind”, dos Easybeats e “Where have all the good times gone”, dos Kinks, enquanto preâmbulo de “Diamond Dogs” (1974), inspirado na novela “1984”, de George Orwell. Capa censurada, mutantes com corpo de cão e canções de fazer ranger os dentes juntam-se num dos álbuns sonicamente mais experimentais do cantor.
Em “Young Americans” (1975) Bowie inventa o funk branco a partir do som de Filadélfia. Bowie americano, Bowie cocainómano, sustentado pela guitarra de Carlos Alomar (substituto do até então omnipresente Mick Ronson) e o ex-Beatle John Lennon. Thin White Duke toma conta da alma do artista em “Station to Station”, de 1976, viagem pelos carris de ferro dos Kraftwerk, com os quais Bowie fica fascinado. Berlim assiste à madrugada gelada de “Low” (1977), uma missa-negra celebrada em conjunto com Brian Eno (e Iggy Pop…) que paralisa a fúria do punk em vagas de electrónica glacial ao mesmo tempo que anuncia a emergência da cold wave e da música industrial. Belo e arrepiante, “Low” constitui a primeira parte de uma trilogia com Eno que prosseguiria, no mesmo ano, com “Heroes” (inclui a homenagem a Florian Schneider, dos Kraftwerk, em “V-2 Schneider”) e se concluiria com “Lodger” (1979). Robert Fripp empresta a sua guitarra luciferina a “Heroes”, o mesmo acontecendo com “Scary Monsters (and Super Creeps)”, de 1980, derradeiro testamento artisticamente relevante do monstro (Bowie interpretara o “Homem elefante” numa produção de teatro da Broadway) que assombrou uma década inteira de rock.
“Let´s Dance” (1983), “Tonight” (1984), “Never Let me Down” (1987) e “Black Tie White Noise” (1993) são já menos criações musicais do Bowie artista do que produtos comerciais do Bowie homem de negócios, de todas as máscaras que envergou, provavelmente a mais difícil de arrancar. Como o próprio Bowie se encarregou de confirmar, no doloroso exorcismo que é “Hours”, o seu álbum mais recente.

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