02/05/2011

"PORTUGUESE is better!"

Sons

7 de Janeiro 2000

Debate sobre a utilização do português ou do inglês na música portuguesa

“PORTUGUESE is better!”

Cantar em inglês ou português é, ou não, uma questão retórica, quando se trata de produzir, promover e vender música feita em Portugal neste início do ano 2000? A verdade é que a máxima “A minha pátria é a língua portuguesa” de Fernando Pessoa já não faz muito sentido. Tirar dividendos da globalização, ou, pelo contrário, resistir-lhe o mais possível são as duas vias divergentes defendidas pelos convidados deste debate: Amélia Muge, Vitorino, Rui Reininho, Jorge Dias e Miguel Cardona.


Longe vão os tempos em que o português era considerado uma língua difícil de se cantar. E se os intérpretes da chamada “canção de autor”, como Vitorino ou Amélia Muge, desde sempre cultivaram o gosto pela língua portuguesa e a necessidade de fazer passar uma mensagem – fruto de uma atitude fortemente ideológica –, já as gerações mais novas adoptaram, paradoxalmente, o inglês, como forma de resistência. Afinal de contas o próprio Vitorino, apologista do fortalecimento de um circuito das músicas do Sul, já cantou em inglês, o mesmo acontecendo com Rui Reininho, nos GNR. Quanto aos mais novos, Miguel Cardona, dos Coldfinger, e Jorge Dias, baixista dos More República Masónica que recentemente organizou o festival Interferências, encaram de forma natural o facto de cantarem em inglês, não sendo menos portuguesa a sua música. Amélia Muge, que recentemente cantou em galego nos Camerata Meiga contrapõe a necessidade de confrontar modelos e fórmulas de produção. Todos estão de acordo numa coisa: a música portuguesa não é defendida como deveria e a culpa é das multinacionais, que apenas se preocupam em promover os artistas internacionais, e dos “media”, que não divulgam em quantidade suficiente o produto nacional. “Oh, yes!”

O passado. Era de facto difícil cantar em português até “Chico Fininho” vir, na década de 80, provar o contrário? Mais atrás ainda, era proibido cantar em inglês, caso se quisesse “intervir” artisticamente contra o regime do Estado Novo?

VITORINO – “Encontram-se ‘cantautores’ nos Sheiks, que, em determinada altura, afirmaram em entrevistas que o português não era ‘cantabile’. Foi quando os Beatles chegaram à ribalta para transformar a relação da canção entre os povos. Em Portugal, era sobretudo a música de expressão latina que se ouvia. O inglês acabou por se impor de uma maneira brutal, com uma gigantesca máquina de promoção por detrás. Aqui, os resistentes eram o Zeca e o Adriano. Hoje, já existe um rock lusitano cantado em português.”
“Tive um grupo, na Escola de Belas-Artes, com o Manuel João, dos Ena Pá 2000, onde cantava uma canção dos Beatles, “Here comes the sun”. Como estava todo vestido de preto, levei logo com uma trincha de branco.”
MIGUEL CARDONA – “O Vitorino fala de um ponto de vista político. Eu falo de um ponto de vista cultural. Quando quero expressar-me, reporto-me a fenómenos que me marcaram. E isso foi-me tudo dado em inglês, em francês… Ao extrapolar a imaginação é fácil recorrer a vivências, imagens cinematográficas, estereótipos, aos quais tenho acesso através do inglês.”
RUI REININHO – “Cantar em português foi para mim uma espécie de repto, de reacção a uma geração que só cantava em inglês, o que eu achava completamente bacoco. Por que raio é que um fulano havia de se esconder a cantar numa língua que não era a dele? E os textos em inglês, normalmente, são do secundário para baixo.”

O presente, parte 1. O mundo é um lugar pequeno. A “minha pátria é a língua portuguesa” ou pode ser também a inglesa?

VITORINO – Se pudesse, gostava de cantar em sérvio, ou em gaélico. Em inglês é que não… Por isso é que comecei a cantar em castelhano [num álbum recente, “La Habanera 99”, com reportório cubano e a presença do Septeto Habanero]…”
“Os textos em inglês que muitas bandas cantam estão sintacticamente errados.”
AMÉLIA MUGE – “Nada do que o Fernando Pessoa escreveu em inglês o impediu de escrever o que escreveu em português. E o Eça teve um cargo importante no consulado em Paris. Eu canto em português, porque é a maneira de resolver, em mim própria, influências que recebo de muitos sítios. Fazer uma canção com a mesma matéria, a mesma língua, com que penso. Um poema é, antes de mais, uma base de trabalho sonora.”
MIGUEL CARDONA – “Escrevo em português e em inglês. Quando é um ‘rapport’ autobiográfico, escrevo em português. É a única via para ser sincero comigo mesmo. As coisas não me acontecem em inglês. Mas quando saio da minha vida, já posso recorrer ao inglês.”
JORGE DIAS – “Está associada a quem canta em inglês uma ideia de antipatriotismo. É uma estupidez completa. Não há coisa que mais me entristeça do que poder absorver uma islandesa como a Björk, uns judeus belgas ou uns tipos franceses, todos a cantar em inglês, e não conseguir ver ninguém do meu país a conseguir vingar lá fora, a conseguir mostrar que em Portugal se fazem coisas tão actuais e tão interessantes como no resto da Europa, sem ser remetido para a categoria do exotismo.”
RUI REININHO – “Os brasileiros apropriaram-se da linguagem de computador e já falam em ‘downlodar’ ou ‘browsar’.”
“Noutro dia reparei num cartaz de uma ‘rave’. É impressionante como se faz uma solicitação destas sem uma única palavra em português. É uma tentativa de globalizar. Em Atenas ou no Senegal seria a mesma coisa. É tudo a mesma tribo.”
“É importante a defesa da língua portuguesa. Aprendi um bocado isso com os nossos amigos galegos. Não lhes passa pela cabeça cantar em inglês. E, se calhar eles, em certos aspectos, até são mais modernaços do que nós.”
MIGUEL CARDONA – “Os espanhóis dobram tudo. Tem a ver com uma certa ideia de nação. Nós, enquanto artistas, reportamo-nos muitas vezes a coisas exteriores. Um guitarrista fala do seu ‘amp’, num som “de Rhodes”, há toda uma linguagem corrente em inglês.”

O presente, parte 2. As editoras são as bruxas da história, porque só promovem o produto que vem de fora. Os “media” são vilões, porque só escrevem sobre música chinesa. O Estado não apoia. Há preconceitos e barreiras a romper.

MIGUEL CARDONA – “O rock cantado em português não sofre da mesma injecção de espuma que o inglês. É possível ler nos jornais ‘revivals’ de Bob Dylan ou Pink Floyd, com a cumplicidade de toda a gente, que não passam de meras manobras de promoção de limpeza de fundo de catálogo. Com certeza que não vão buscar os NZZN ou os Tantra e promovê-los na América…”
VITORINO – “A rádio não passa música portuguesa, enquanto as percentagens de música anglo-americana são brutais. O Ministério da Cultura só dá força ao cinema. Tem que começar a apoiar a música portuguesa. Os Beatles foram condecorados pela Rainha.”
JORGE DIAS – “As bandas que cantam em inglês também não passam na rádio. Não por cantarem nesta ou naquela língua, mas porque não têm o apoio de uma grande campanha de ‘marketing’. Não há critérios de avaliação. As pessoas limitam-se a colar-se a modelos de sucesso. Como, com raras excepções, não se consegue criar cá nenhum desses modelos, ninguém liga. Quem está no centro da decisão pertence à geração do Rui, os que conquistaram para a música a língua portuguesa, mas que, de repente, fecharam os olhos. Existe hoje um caciquismo, entre aspas, nos ‘media’ e, sobretudo, nas editoras. Apresenta-se uma banda a cantar em inglês e é recusada só por esse facto, nem sequer chegam a ouvir.”
RUI REININHO – “Tenho pena de que ninguém tenha rompido aquela barreira do meio milhão de discos. Toda a gente encravou nos 300 mil. É uma barreira psicológica.”

O futuro. Globalizar ou resistir. O que é que podemos fazer? Talvez socializar.

AMÉLIA MUGE – “As coisas que vêm do Norte têm uma conotação de tecnologicamente mais avançadas, enquanto o étnico estaria umbilicalmente ligado a um certo terceiro-mundismo. A imagem da música, da cultura portuguesa, enquanto for passivamente vendida sob estas conotações de mercado, tem que submeter-se à máxima do ‘quanto mais étnico’ melhor. Se calhar o circuito que vende os Madredeus não é o mesmo que vende a música tradicional portuguesa, no seu sentido folclórico.”
VITORINO – “Há uma grande música deste século, a música anglo-americana dos anos 60 e 70, conotada com um movimento social universal. Depois entrou numa decadência horrível, quando começou a ficar visual, a ouvir-se através dos ‘clips’. Subverteu-se a escuta. No Midem latino de Miami as estatísticas afirmavam que nos últimos três anos a música anglo-saxónica já tinha perdido no mundo um espaço de 6 por cento para as músicas de expressão castelhana. A única possibilidade que temos de exportar uma música cantada em português no mundo é fazer uma aliança com os brasileiros, como os espanhóis têm com toda a América Latina e as Caraíbas. Infelizmente os brasileiros fecharam-se a nós nos anos 60, coincidindo com a ditadura.”
“A salvação é a socialização dos meios. Dentro de uns dois anos eu ou o Rui Reininho podermos gravar em casa sozinhos. Os anglo-saxónicos inventaram os ‘media’ e nós vamos aproveitar e socializá-los.”

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