13/11/2011

As máscaras do lagarto [King Crimson]

7 de Abril 2000
REEDIÇÕES

King Crimson
In the Wake of Poseidon (9/10)
Lizard (10/10)
Islands (8/10)
Virgin EG, distri. EMI-VC

As máscaras do lagarto

Esqueçam todas as baboseiras que ouviram sobre a música progressiva, que nunca soube verdadeiramente o que era. Esqueçam e ouçam estes três álbuns dos King Crimson, para repensarem tudo, em novas reedições cartonadas, miniaturas dos vinilos, com capa de abrir, que assim se juntam à de “In the Court of the Crimson King”, na celebração do 30º aniversário das edições originais. Além da apresentação, excelente, o som é soberbo, fruto de remasterizações feitas com máximo cuidado.
“In the Wake of Poseidon” é o segundo álbum dos King Crimson (1970), depois de “In the Court…”, prolongando e refinando a estética seguida então pelo grupo, uma fusão absolutamente inovadora para a época de rock, classicismo, jazz e canções compostas sobre a guitarra e o mellotron de Robert Fripp e as letras de Peter Sinfield, que distinguiam os King Crimson de qualquer outra banda progressiva dos anos 70 (apenas os Van der Graaf Generator os conseguiram ultrapassar…).
Robert Fripp amenizou um pouco neste disco a violência do álbum de estreia, enveredando por uma complexidade da composição que viria a atingir a perfeição no álbum seguinte, “Lizard”. Ainda com Greg Lake e Michael e Peter Giles no grupo, “In the Wake of Poseidon” inclui clássicos como “Pictures in a city” (espécie de continuação de “21st century schizoid man”, do primeiro álbum), o título-tema, uma extensa balada de cores classicizantes conferidas pelo mellotron, o tema satírico (prática que viria a institucionalizar-se nos álbuns seguintes), “Cat food”, com uma fenomenal intervenção no piano de Keith Tippett e a sequência instrumental, dividida em três partes, “The devil’s triangle”, a ilustrar a faceta luciferina desde sempre cultivada por Fripp. Assustador.
Mas “Lizard”, editado também em 1970, vai mais longe, onde nenhum outro grupo fora antes. Obra-prima absoluta na discografia do grupo (opinião não partilhada pelo seu líder, o réptil da guitarra, Robert Fripp…) e um dos marcos da música progressiva dos anos 70, “Lizard” foi recebida quando do seu lançamento pela crítica inglesa como uma obra cuja estrutura a fazia rivalizar com as grandes peças dos compositores clássicos eruditos. Não é um álbum típico dos King Crimson, da mesma forma que “Their Satanic Majesties Request” não é um álbum típico dos Stones, por exemplo. Obra ímpar, houve quem tentasse caracterizá-la como jazz e quem demorasse dezenas de anos até finalmente a compreender e aceitar. Servido por uma produção que coloca em relevo o mínimo detalhe musical, “Lizard” é um monumento que, volvidas três décadas sobre a sua edificação, mantém a solidez das grandes catedrais.
O tema de abertura, “Cirkus”, inclui uma das mais poderosas entradas instrumentais de todos os tempos, com a irrupção abrupta do mellotron a interromper o que de início aparenta ser uma balada, seguida de um solo deslumbrante de swing de Mel Collins no saxofone. “Indoor games” e “Happy family” (canção surrealista sobre a dissolução dos Beatles…) transportam-nos para um universo paralelo onde o free jazz, a atonalidade, a sobreposição de harmonias, mudanças súbitas de compasso e complicados efeitos de estúdio acentuam a catadupa de imagens herméticas sugeridas pela escrita de Sinfield. O primeiro “lado” do disco termina com uma curta balada de ambiente medieval, “Lady of the dancing water”.
Mas é no título-tema, uma longa suite dividida em várias partes, que Fripp revela todo o seu génio como compositor e arranjador. O tema evolui de uma introdução vocalizada por Jon Anderson, dos Yes, para uma verdadeira sinfonia sobre a guerra que culmina nos dez minutos de antologia de “The battle of glass tears”. Os instrumentos combatem entre si como entidades sobrenaturais numa invasão do cérebro e dos sentidos. Sons lancinantes formam um caleidoscópio de ritmos e timbres reinventados segundo a segundo, num jorro contínuo que emerge como a lava de um vulcão irrompendo do inconsciente, até alcançarem uma dimensão cósmica. Free rock, teste projectivo, alucinação sonora, chamem o que quiserem a esta música, que permanece como testemunho perene de um músico que ainda hoje continua a subverter e a remodelar as regras da música popular.
Editado em 1971, o álbum seguinte, “Islands”, com os novos elementos Boz (baixo e voz) e Ian Wallace (bateria), funciona quase como um anticlímax. É o álbum onde as obsessões de Fripp pela música clássica vão ao ponto de ter convidado uma cantora lírica para cantar no tema de abertura, “Formentera lady”, e assinado em “Prelude: Song of the gulls” uma genuína peça de música de câmara. Mas bastaria o instrumental “Sailor’s tale”, marcado por um solo arrasador de Robert Fripp na guitarra eléctrica, para garantir a este álbum, que também inclui o tema satírico “Ladies of the road”, desta feita sobre as prostitutas, um lugar de relevo na discografia do grupo. Depois da gravação ao vivo do álbum “Earthbound”, os King Crimson fariam uma primeira paragem, reaparecendo em 1973 com “Lark’s Tongues in Aspic”, com uma nova formação e uma mudança radical de estética musical, iniciando uma fase que continuaria em “Starless and Bible Black” até explodir num hard rock metálico e visceral em “Red”.

1 comentário:

Rochacrimson disse...

Ainda me lembro desta crítica no suplemento "Sons" ou já era Ípsilon!? do Público.
Foi a partir daqui que me tornei fã dos King Crimson.
Obrigado ao Fernando onde quer que ele esteja.