01/12/2011

Camané - Esta Coisa Da Alma

5 de Maio 2000
PORTUGUESES

Camané
Esta Coisa da Alma (9/10)
Ed. e distri. EMI-VC


Esta coisa da alma tem que se lhe diga. Que o fado é a alma a cantar já toda a gente sabe, ou devia saber, mas tem que ser alma antiga. Nada a fazer, quanto a isto. Aos mais novos resta cumprir os desígnios de melhores ou piores vozes, que o fado, fado, apenas nasce das feridas e do fim das viagens mais longas. E chegamos a Camané, que é fadista novo, mas com a alma já batida e enobrecida por mais do que uma cicatriz, viajante na dor que no fado – e é também para isso que ele serve – se alumia. Não por acaso um dos fados se chama aqui “A luz de Lisboa (claridade)”, que, também não por acaso, é um instrumental. Camané é uma das vozes com que o fado pode contar para cantar aquilo que é a eternidade. Ouça-se “Dor repartida”, por exemplo, com letra de Manuela de Freitas e da mulher de Camané, Aldina Duarte, também fadista e música do “Fado Primavera” de Pedro Rodrigues, para se compreender, ou sentir, o que querem dizer versos como “Cinzento porque chovia/Todo o céu que me cobria/Comigo chorava tanto/Mas ali à minha frente/Afastado e tão presente/O rio secou o meu pranto.” Mas também quando o fado enfia as mãos nos bolsos e se torna mais gingão (“Por um acaso”, “Fado da recaída”) Camané sabe decifrar e dar corpo aos seus sentidos. As palavras de David Mourão Ferreira, João Monge (da Ala dos Namorados), Edmundo Bettencourt, Júlio Dinis e Fernando Pessoa e a música de Alfredo Marceneiro, Reinaldo Varela ou José Mário Branco, entre outros, são dignificadas pela voz e, mais do que a voz, pelo sentimento de Camané que em “Quem, à janela”, canção de Amélia Muge, mostra que a sua alma é igualmente capaz de olhar através de outras janelas que não a janela duramente envidraçada do fado. Ou talvez tudo, como nesta canção, se transforme em fado quando cantado do fundo. No centro da cruz.

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