03/09/2014

Fogo posto [Gaiteiros de Lisboa]



Y 22|DEZEMBRO|2000
escolhas|ao vivo

FOCO

GAITEIROS DE LISBOA
Fogo posto

“Invasões Bárbaras”, “Bocas do Inferno”, “Dançachamas”. É, para já, a trilogia de títulos disponível dos Gaiteiros de Lisboa. Para quem (ainda) não os conheça, os títulos sugerem mafarricos saídos do Hades, com hálito de labaredas e tridentes que espetam, mais que não seja, na atenção. Vão hoje endemoninhar, às 17h, o vetusto Auditório da RDP.
            Os Gaiteiros de Lisboa, na verdade, até nem são más pessoas, mas fica a suspeita se conseguirão salvar a alma no céu da música tradicional. É que, não sei se sabem, mas a gaita-de-foles é o instrumento dos instrumentos da música tradicional e foi ela que esteve na génese da formação do grupo. Mas eles, desde o início, com a entrada de rompante do álbum “Invasões Bárbaras” mantêm uma saudável distância da tradição. Mais, apostaram em que eram capazes de romper os cânones da dita, decidindo “a priori” recusar os instrumentos cordofones na sua estratégia de, a partir do passado, traçarem as rotas de um herético futuro. Concentraram-se, pois, nas palhetas duplas, nas flautas, nas percussões, na sanfona, nas invenções de um dos seus elementos, Carlos Guerreiro, autor das patentes de uns Túbaros de Orfeu, um orgaz e um cabeçadecompressofone, entre outras engenhocas sónicas arrancadas a um bestiário que não cessa de lhes morder os miolos. E em polifonias vocais que trazem o Norte céltico e o Sul árabe para o centro das suas convicções.
            “Invasões Bárbaras” e “Bocas do Inferno” revelaram os Gaiteiros como iconoclastas iluminados da moderna música popular portuguesa, na senda do incêndio ateado na Europa pelos Hedningarna mas também, e sobretudo, por uma assimilação visionária da atitude (e, até certo ponto, da estética) preconizados pelo mestre José Afonso.
            Nos Gaiteiros conjuga-se, como em nenhum outro grupo português, o humor que tudo arrasa, a graça que tudo redime e o fogo que tudo transmuta. “Dançachamas”, gravado ao vivo, não faz mais do que confirmar, no contexto da fogueira acendida em público, a inesgotável capacidade dos Gaiteiros de Lisboa para fazer ouvir, alto e bom som, o que ainda não fora dito antes.

GAITEIROS DE LISBOA
LISBOA, AUDITÓRIO DA RDP
Tel. 213820000. 6ª, 22, às 17h. Entrada livre.

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