22/03/2017

India songs [Mercedes Sosa]

QUARTA-FEIRA, 28 JUNHO 2000 cultura

Lenda da canção argentina entusiasma a Aula Magna

India songs

AOS 65 anos, Mercedes Sosa continua a ser senhora de um vozeirão. A cantora argentina que é uma das lendas vivas da canção popular sul-americana levou ao rubro uma assistência composta maioritariamente por fãs que, na noite de sexta-feira, quase encheu a Aula Magna da Universidade de Lisboa.
            Apesar de ser uma viatura de luxo Mercedes entrou no espetáculo em regime de baixas rotações. Coberta da cabeça aos pés com um vestido e uma écharpe vermelha enrolada em volta do pescoço, a cantora veterana de rosto índio, parecia uma estufa ambulante. A voz, porém, impôs-se de imediato, mesmo se toda a primeira parte do concerto incidisse no reportório de baladas interventivas que construíram parte da sua reputação e ajudaram a fundar, nos anos 60, o movimento “Nuevo Cancionero Argentino”, culminando com uma tocante interpretação de “Gracias a la vida”, de Violeta Parra e com “Alfonsina y el mar”, a canção que lançou a sua já longa carreira.
            Impercetivelmente foi surgindo a outra Mercedes Sosa. Com a troca dos manifestos de liberdade pela liberdade do canto livre das ideologias, e da écharpe vermelha por uma verde.
            Uma espantosa sucessão de cinco temas encetados com o épico “Los hermanos” e coroada com “Como pajaros en el aire” mostrou a Mercedes étnica, um todo-o-terreno, digamos assim, que projetou a voz nos registos do grito e das técnicas de canto tradicionais tribais (improvisadas?) atirando as emoções para a flor da pele e expondo o canto nas suas texturas mais carnais. Socorrendo-se, num par de temas, de um tambor, Mercedes Sosa mostrou nessa altura toda a intensidade que a sua música pode ter.
            “De fiesta en fiesta”, “Vestido y un amor”, “Solo le pido a Dios”, “Viejas promesas” e “Sina”, do brasileiro Djavan, levaram o concerto ao colo até a apoteose, “Maria, Maria”, da dupla, também brasileira, Milton Nascimento/Fernando Brant, com o refrão, conhecido de todos, a ser entoado em coro, de pé, pela assistência em peso.
            Eram inevitáveis os “encores”, pedidos de forma insistente, quase em delírio, com gritos atirados da plateia a pedirem esta ou aquela canção. Mercedes Sosa, fatigada mas deliciada com o acolhimento do público português, acedeu, voltando ao palco por duas vezes, numa delas para interpretar novo tema de Violeta Parra, “Volver a los 17”, em ambas repetindo o refrão de “Maria, Maria”, aquele que estava no ouvido de todos. Ao fim de quase 40 anos de carreira, Mercedes está longe de precisar de ir à revisão.

Sem comentários: