22/09/2009

Vestir ou não vestir o "smoking" [Steven Brown]

Sons

20 de Março 1998

Ser ou não ser Tuxedomoon, eis a questão

Vestir ou não vestir o “smoking”

“Joeboy in Mexico”, afinal, não é um disco novo dos Tuxedomoon, embora um rótulo colado na capa proclame “o regresso dos Tuxedomoon”. Mas Steven Brown, com quem o PÚBLICO falou, diz que não. O México, com o seu “magnetismo” e as suas “forças espirituais”, determinou a diferença. E – sim – os Tuxedomoon, a lua de “smoking”, foram a primeira banda pós-rock da História.

Gravado em casa no México, retocado num estúdio comercial, “Joeboy in Mexico”, apresenta o lado mais obscuro e interessante da música da lendária banda de São Francisco, aqui explorado por Steven Brown com Peter Principle, com o convidado muito especial Blaine L. Reininger, o terceiro vértice dos Tuxedomoon.
PÚBLICO – “Joeboy in Mexico” afinal não é um álbum dos Tuxedomoon...
STEVEN BROWN – Não é, de facto, e sublinho este “não”. Se fosse um álbum do grupo, teria essa indicação [Steven Brown deve ignorar a existência do tal rótulo]. Na realidade, a editora Opción Sónica pediu-me para fazer um novo álbum na sequência de “Ninerain”. Queriam uma coisa diferente, mais personalizada. Decidi trabalhar com Peter Principle, a companhia aceitou e ele veio ter ao México, para trabalhar durante um mês comigo, com Nikolas Klau, Alejandro Herrera e Juan Carlos Lopez. “Keredwin’s reel” foi escrito por Blaine Reininger, a quem eu pedi que participasse no projecto. Depois disso, Peter partiu para Roma e Nova Iorque. Eu e os outros acabámos as gravações. Em 1981, Peter e eu já tínhamos gravado “Joeboy in Rotterdam”, daí o nome do álbum. Qualquer destes dois álbuns aparece com pseudónimos na ficha técnica. É um segredo.
P. – Há alguma possibilidade de você, Peter Principle e Blaine Reininger voltarem a tocar juntos ao vivo?
R. – Tocámos os três juntos, pela primeira vez em oito anos, no ano passado, em Telavive, Atenas, Salonica e Polverigi, na Itália. Além de que estamos a planear um novo disco e uma digressão pela Europa no próximo ano.
P. – Como é que se processaram as gravações? Foi ou não um trabalho colectivo?
R. – No início a ideia era gravarmos no meu estúdio em casa. Com todo o tempo disponível para compor e gravar sem quaisquer preocupações monetárias. Mas uma avaria no equipamento obrigou-nos a mudar para um estúdio comercial vulgar. A maior parte dos temas foram compostos por mim com Nikolas. Alguns são peças inteiramente feitas e tocadas por mim, como “Bitter bark” e “Shipwreck”. “Brad’s loop” e “El Popo” incluem Alejandro Herrera como autor. Nesta medida, pode considerar-se um projecto colectivo.
P. – Há algum elo de ligação entre este disco e o anterior, “Ninerain”?
R. – A presença, em ambos, de Alejandro e de Juan Carlos. A editora também é a mesma.
P. – “Joeboy in Mexico” recupera o lado instrumental e mais experimental dos Tuxedomoon, de álbuns como “Suite en Sous-Sol” e “The Ghost Sonata”, já para não falar dos dois primeiros álbuns, “Half-Mute” e “Desire”. Os Tuxedomoon serão um grupo “maldito” para sempre?
R. – Tenho orgulho em fazer parte do “underground”, embora reconheça que é um estilo de vida que exige a existência de “senhorios” compreensivos...
P. – O espírito e a atitude musical dos Tuxedomoon está bastante próxima do actual pós-rock, de bandas como os Tortoise e Trans AM. Consideram-se pioneiros do rock mais radical?
R. – Não conheço nenhuma dessas duas bandas (mande-me uma cassete, por favor!). De qualquer forma, suponho que os Tuxedomoon foram, desde o início, uma espécie de banda pós-rock, ou pós-moderna. Quando começámos, nos anos 70, não havia muitos grupos como nós, a usarem violino, saxofone, caixas de ritmos, guitarra, órgão e fitas magnéticas.
P. – A capa do álbum faz lembrar o grafismo usado por um músico mexicano, Jorge Reyes...
R. – Acho a capa fantástica! É um trabalho de Jaime Keller, um velho amigo meu e um grande artista. Quanto a Jorge Reyes, conheço-o. Gravamos para a mesma editora.
P. – O facto de o disco ter sido feito no México teve alguma importância no processo criativo? Estamos a lembrar-nos dos fragmentos de manifesto revolucionário que foram usados no tema de abertura...
R. – Salvador Dali afirmou um dia que teria pintado exactamente da mesma maneira mesmo se tivesse vivido no Pólo Norte, querendo com isto dizer que a localização geográfica não desempenha qualquer papel na produção artística. Já Peter Principle me disse exactamente o contrário, que o local tem muito que ver com os resultados. Para ele, o México determinou e conduziu todo o processo de gravação, devido a um magnetismo ou a quaisquer forças místicas presentes neste país. A minha opinião está algures entre estas duas.
P. – Tem planos para gravar em breve um novo álbum?
R. – Há um plano, que tenho em mente há mais de cinco anos, de gravar com Harold Budd.
P. – Ainda ouve música rock? Que discos é que tem andado a ouvir ultimamente?
R. – O mais próximo do rock que tenho ouvido é Olivier Messiaen e Conlon Nancarrow, um compositor americano que viveu no México há 40 anos e compunha para executantes de pianola!... Agora a sério, ouvi o novo de Todd Rundgren, com canções novas feitas ao estilo da bossa-nova. Recentemente, eu e Peter Principle temos andado a trabalhar uma versão de Isaac Hayes de “Walk on by”, de Burt Bacharach.
P. – Atendendo à importância histórica dos Tuxedomoon, não está prevista nenhuma reedição remasterizada da sua discografia, como aconteceu, por exemplo, ainda há pouco tempo, com os Residents?
R. – É uma boa ideia. Apesar de estar tudo disponível, em edições normais, através da Cramboy, de Bruxelas, e ter sido lançada, em 92, a colectânea “Solve et Coagula”.
P. – Devemos considerar “Joeboy in Mexico” uma escultura sonora, um manifesto artístico ou uma boa anedota?
R. – Folgo em saber que tem sentido de humor!


Outros discos brilhantes e obscuros por elementos dos Tuxedomoon:

Steven Brown: “Searching for Contact”, “Zoo Story”.
Steven Brown & Benjamin Lew: “Douzième Journée: Le Verbe, La Parure, L’Amour”, “A Propos d’un Paysage”.
Peter Principle: “Sedimental Journey”, “Tone Poems”.
Blaine L. Reininger: “Instrumentals, 1982-1986”.
Blaine L. Reininger & Mikel Rouse: “Colorado Suite”.

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