11/09/2009

Náufragos do Tempo

Sons

6 de Março 1998
PORTUGUESES

Náufragos do Tempo

Rock, fado e tradição. Entre gestos de sobrevivência e remexidas no baú, descobrem-se caminhos e becos, experiências e perplexidades. Passando ou não ao lado da inovação. A música portuguesa desarrumada entre o passado e o presente.

“Manual de Sobrevivência”, segundo trabalho a solo da antiga vocalista dos Rádio Macau, é um álbum interessante mas que não esconde as suas limitações. Xana procura aqui a diferença que possa impor um estilo, a questão está em que a sua maneira e cantar, sem dúvida característica, demonstra enormes dificuldades em se libertar de um registo demasiado repetitivo. Como se cada capítulo deste manual fosse uma variação de uma única canção, ensaiada em velocidades, estados emocionais e arranjos diferentes. Assim, a monotonia acaba por se instalar, dando ideia de que este manual poderia ter sido limitado a um folheto de instruções básicas de salvação. Procure-se esta redenção na colaboração recente da cantora no álbum de Flak... (Nortesul, 6)

Camané vive o fado como poucos, contando de novo, neste seu segundo registo depois de “Uma Noite de Fados”, com a presença tutelar de José Mário Branco. E se a sua abordagem ao fado se insere na linhagem dos clássicos, tal não impede que um dos temas mais interessantes de “Na Linha da Vida” seja “Sopram ventos adversos”, de Manuela de Freitas e José Mário Branco, em que a atmosfera se abre a uma contemplação mais luminosa e o fado se desdobra “numa praia de sentimentos dispersos”. Uma via de confluência entre o fado-canção de Carlos do Carmo e o golpe de vista de Paulo Bragança que poderá projectar Camané para uma visão mais abrangente da tradição e de um espírito de fatalidade que parece marcar a sua música. (EMI-VC, 6)

José Barros, mentor do projecto Navegante, navega no seu segundo trabalho, de genérico “Cantigas Partindo-se”, em águas bem menos poluídas que as do disco de estreia. Ainda sem conseguir furtar-se totalmente à lama do popularucho, embora aqui na sua vertente menos ofensiva, de temas como “Serventês” e “Tão longe da vida” (verdadeiramente folk pimba) e incorrendo em inutilidades como a enésima versão de “Milho verde”, o grupo revela-se capaz de encontrar alguns oásis de frescura e alguma originalidade. Estão neste caso a versão de um “São João” em tonalidades arabizantes, a força céltica de “Penha Garcia” e um par de baladas originais que não deixam de fazer lembrar os Romanças, como “Cascata”, “Saudades da Lua” e “Cantigas partindo-se”, sobressaindo ainda o instrumental “Em barca”, composto pelo violinista Jorge Cruz, onde é visível uma atenção a alguns dos rumos recentes seguidos pela “world music”. A este elevar da fasquia não serão alheias as participações de músicos como Rui Júnior e Pedro d’Orey (ex-Romanças), mencionados como elementos permanentes do grupo, Rui Vaz (dos Gaiteiros de Lisboa), Artur Fernandes (Danças Ocultas) e Pedro Jóia. (Ovação, 6)

No capítulo das reedições, o destaque vai por inteiro para “Cantigas do Sete-Estrelo”, álbum de 1985 da Ronda dos Quatro Caminhos que permanece como um dos instantes iluminados da música portuguesa de raiz tradicional. Graças à magia criada por um colectivo que, alheio ainda a guerras que no futuro se viriam a declarar de forma violenta, apenas se preocupava então com a dignificação de uma música habituada a todo o tipo de maus tratos. Simples e directas, porque simples e directas são as raízes, sentem-se nestas “Cantigas” o trabalho e a dedicação profundos. Depois, a Europa e uma leitura da folk mais sofisticada impõem-se em monumentos de beleza como “Cantiga de Fiadeiro”, “Batuque” e “Quedos, quedos, cavaleiros!” (onde se percebe como a Ronda poderia ter sido o equivalente nacional dos franceses Malicorne...). O aparecimento de outras técnicas e abordagens de estilo, mais actuais, terão tornado algumas destas aproximações à tradição algo datadas, mas nada lhes poderá tirar a verdade do batimento de um coração. (Movieplay, 8)

Igualmente relevante é a reedição de “Pelo Toque da Viola”, álbum de 1981 dos Terra a Terra, ou seja, um dos exemplares mais antigos da segunda geração de grupos nacionais de raiz tradicional. Mais ortodoxos que a Ronda e valorizando sobretudo os arranjos vocais, os Terra a Terra propunham uma viagem pelas várias províncias do continente à boleia da voz, mas também das omnipresentes cordas e percussões. Algumas debilidades técnicas, como uma gaita-de-foles constipada, impedem voos mais altos num álbum marcado pela dança e pela presença de Ana Faria, antes de se dedicar à confeitura dos queijinhos frescos... (Movieplay, 6)

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