17/03/2010

Banditismo a 33 rotações e 1/3

Sons

25 de Setembro 1998
POP-ROCK

Banditismo a 33 rotações e 1/3

Marcus Schmickler, musonauta digital, gosta de se perder em alucinações auditivas da mesma forma que nas imagens de um Western-spaghetti ou numa floresta de chips de Silicone Valley. Em “Render Bandits”, segundo volume retirado dos ficheiros dos Pluramon, depois de “Pick up Canyon”, este antigo estudante da Academia de Música de Colónia que inclui Karlheinz Stockhausen na lista dos seus heróis, insiste em que não de trata de mais uma florescência de “krautrock” nem sequer de um disco de uma banda, mas de uma construção de imagens sonoras. Embora constem na ficha técnica os nomes de Jan St. Werner, dos Mouse on Mars e Microstoria, e de Frank Dommert, da editora A-Musik (para onde gravaram os Wabi Sabi, outro dos projectos de Schmickler, este nos domínios da microscopia digital), a verdade é que cada uma das respectivas intervenções foi samplada em separado e posteriormente manipulada. Mais orgânica que o intercâmbio de informação digital canalizada pelos Wabi Sabi, Oval ou Microstoria, a música de “Render Bandits” aproxima-se das correntes, cada vez mais congestionadas, do pós-rock, segundo um processo de composição que o autor define como “soundproductionaenvironmentalgardening”, “produção sonora de jardinagem ambiental”. Interessante, embora dê a sensação de “dejà-vu”. Ou, dito de outra forma, parece que já vimos este filme, realizado com mais brutalidade pelos Bowery Electric ou pelos Third Eye Foundation. (Mille Plateaux, distri. Ananana, 7).

Também trabalhando a reorganização de símbolos e células de informação, a par de memórias musicais de vária ordem, os austríacos Orchester 33 1/3 – formação de 13 elementos liderada por Christof Kurzmann (composição, arranjos, saxofones, theremin e electrónica) e Christian Fennesz (composição, arranjos, guitarra e electrónica) –, ao contrário dos Pluramon, criam em “Orchester 33 1/3” um arquivo sonoro poderosíssimo, construído a partir de composições criadas em computador e posteriormente trabalhadas ao vivo e arranjadas pela orquestra. O tema inicial, “33 1/3”, espécie de homenagem à era do vinil, começa com ruídos de discos riscados sobre os quais se vai erguendo ameaçadoramente um muro de sopros que parecem brotar das entranhas dos Urban Sax. Um dos saxofones destaca-se a seguir num solo dilacerante, acentuando uma tensão que apenas se desfaz no tema seguinte, uma sessão de jazz entrelaçado com drum’n’bass. A partir daqui, tudo se complica, num circo de duplicações e interferências que vão do “free jazz” (Peter Brötzmann é o convidado especial de “Review”) à música industrial, da histeria mais ensurdecedora de “Review 2” à electrónica sombria da marcha fúnebre de insectos em agonia, em “S. O. S.”. Uma orgia sonora e conceptual que justifica o propósito de Kurzmann, de “ligar de uma forma sensível e orgânica material contraditório: rock, improvisação, jazz, jungle, acústico, electrónica, easy listening, breakbeats, secção de metais, sampler, música ambiental e arranjos”. (Plag Dich Nicht, distri. Ananana, 9).

Depois da colisão frontal provocada pelos Orchester 33 1/3, nada melhor, para serenar os ânimos, do que uma viagem até à Índia na companhia de Thierry Zaboїtzeff, cabeça pensante dos Art Zoyd, no seu segundo álbum a solo, depois de “Heartbeat”. “India”, composto para uma coreografia com o mesmo nome, de Editta Braun, subverte de forma subtil os códigos da música indiana. Samplagens de ritmos e vozes indianas servem como ferramentas de uma música caracterizada pelo onirismo que evoca o lado mais cinematográfico dos Art Zoyd, ao mesmo tempo que experimenta técnicas de fusão e colagem que umas vezes lembram Lazlo Hortobagyi e outras, Holger Hiller. Sensual e enigmática, a Índia de Thierry Zaboїtzeff, como a “India Song” de Duras, é um conjunto de impressões contaminadas, neste caso pelos vírus da canção romântica (“Loneliness”), do transe (“Holi trance final cut”) de diversão ou da música coral austríaca (“Austrian jungle raga”). (Atonal, distri. Ananana, 8).

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