25/03/2010

Lisa Germano - Slide

Sons

16 de Outubro 1998
POP ROCK - DISCOS

Lisa Germano
Slide (9)
4AD, distri. MVM

Ao cabo de quatro álbuns Lisa Germano criou um espaço próprio na canção de autor no feminino equivalente e contrapolar ao de Suzanne Vega, com quem partilha uma introspecção ao mesmo tempo lúcida e apaixonada. Mas enquanto a autora de “Luka” vem retirando sucessivamente o peso à sua música, num processo de depuração que em “Nine Objects of Desire” a levou a aproximar-se da bossa-nova, Lisa continua a carregar nos tons e num surrealismo sonoro que neste seu novo trabalho marca pontos em relação ao anterior e algo repetitivo “Excerpts from a Love Circus”.
“Slide” nasce em vagas de “feedback” e chapinhar na água, com “Way below the radio”, ritual de contacto e de chamamento dos espíritos, com Lisa expectante diante do desconhecido, um pouco à maneira das invocações tribais de Peter Gabriel: “I am here (...) going nowhere (...) Give me some personality.” “No color here”, no seu registo seco e acústico, cantado quase em sussurro, lembra o estilo e as fantasmagorias de Kristin Hersch, para, logo a seguir, “Tomorrowing” dar a conhecer a mesma ironia e o tipo de inquietações de “Happiness”, álbum de estreia da cantora. “Do you think it´s fun?”, pergunta, em tom de acusação. “Electrified” apresenta um arranjo de sinos, órgão de foles em cadência de realejo e harpa, com uma segunda parte preenchida por um apontamento instrumental no mesmo tom de brinquedo quebrado de Pascal Comelade.
A canção clássica aflora no título-tema e em “Wood floors”, um dos mais belos temas do disco, monólogo de sombras de alguém perdido num quarto de sonhos, a fazer lembrar “House with no door” de Peter Hammill. O choro de realejo regressa em “If I think of love”, num andamento de passeio triste pelas alamedas da alma. Depois de “Crash”, dilúvio de emoções carregado de tensão, surge “Turning into Betty”, outro dos momentos deslumbrantes de “Slide”, valsa de dúvidas e aproximações, marcada por uma incrível interpretação de Lisa Germano no papel da menina prestes a deixar entrar no seu sonho de boneca o papão Freddy Kruger, sabe-se lá com que inconfessáveis intenções. O tom folclórico da sequência final acrescenta ao tema uma nota de exotismo e de perturbação adicional.
“Guillotine” é outra canção ferida de poesia e de interrogações, à deriva num vibrafone nocturno: “After the storm where is my heart? How can I touch without my hands?” O tema final, “Reptile”, é o mais afirmativo e o único onde a bateria faz notar a sua presença. Se a viagem teve início no vazio de uma emissão de rádio fantasma, o seu término deixa um rasto de estrelas e de esperança, na visão aérea – “higher vibrations, frequency flying, living in light” – de uma alma extraterrestre. Nesse estado de lucidez descarnada e de separação que marca a sensibilidade e o olhar de uma autora que em definitivo se afirma como das mais originais e criativas da sua geração.

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