18/01/2011

Bomba ao retardador [Anabela Duarte]

Sons

9 de Julho 1999

Anabela Duarte comete “Delito”, sete anos depois…

Bomba ao ratardador


Anabela Duarte regressa “catastrófica” e mais multifacetada do que nunca, com um disco novo, intitulado “Delito”, que já foi gravado há sete anos. Confusos? Mas isso é o que a cantora quis e conseguiu sempre provocar nas pessoas.

PÚBLICO – “Delito” foi gravado ao vivo em 1991 e surge agora como o seu novo disco. Quais as razões deste intervalo tão grande?

ANABELA DUARTE – De início, nem sequer sabia da existência destas gravações. Na altura em que trabalhava com o Paulo da Costa Domingos, surgiu a ideia de editar isto. Foram quatro espectáculos dos quais tive acesso a três cassetes DAT. Fiz a montagem no meu estúdio em casa das versões que me pareceram melhores.
P. – Mas considera mesmo que este é o seu “novo” disco?
R. – Mas o que é que se considera “novo”? Há muito tempo que não apareço e, neste sentido, é o meu disco novo, até porque mete um bocado em dia as coisas que eu quero fazer a partir de agora.
P. – Quer dizer que a Anabela Duarte de 1991 é a mesma Anabela Duarte de 1999. Foram gravações premonitórias, é isso?
R. – Sim, coisas ligadas ao campo da electrónica e à música mais pop. Claro que há coisas que não faria agora da mesma maneira, sobretudo ao nível das novas tecnologias que entretanto apareceram. Mas era um disco que estava um bocado à frente do que se andava a fazer. E nem sequer tenho manias de vanguarda…
P. – Falou na electrónica. É por aí que pretende seguir?
R. – Sim. Estou já a trabalhar nesse campo, a fazer novas composições mas já numa base de manipulação de samplers. Além dos músicos que trabalharam comigo neste disco, que se mantiveram todos, excepto o baixista, há também um DJ e programador, chamado Nuno Moita.
P. – Considera-se uma “outsider”?
R. – Claro! Se não, não tinha metade das dificuldades que tenho para fazer as coisas. E mesmo que não sentisse assim, sou forçada a senti-lo. Está tudo catalogado, embora já haja hoje uma certa abertura a coisas diferentes. Na altura este disco não fazia sentido. As pessoas interrogavam-se: “Como é que uma gaja que está na música pop vai para o fado e depois se mete no canto lírico?”
P. – Que música anda a ouvir?
R. – Gus Gus. O disco da Mimi, o “Burn”. E fui ao concerto do Tricky. Gostei bastante. Em termos de vozes femininas, nunca tive modelos. Bem, a Björk foi uma inspiração para toda a gente. É completamente xexé, embora agora ande a fazer umas coisas um bocadinho mais comerciais, mas é uma referência, sempre.
P. – Alguns dos temas de “Delito” remetem para os Mler Ife Dada. Sente o mesmo?
R. – Concordo. Tudo isto tem muito a ver com eles. Na altura os Mler Ife já eram um microcosmo.
P. – Um dos temas é uma canção de Luciano Berio…
R. – … Que já aparecia no segundo disco dos Mler Ife, “Espírito Invisível”, numa versão com guitarra e umas flautas computorizadas. Em “Delito” fiz uma versão diferente, em piano. É uma das duas composições que foram gravadas agora. A outra é “Mangissa”, um dos temas tratados electronicamente e com o tal lado gótico que referiu na crítica. Há quem diga que devia ter aberto o disco com ele.
P. – Nas notas da capa fala em “sentimentalizar a máquina e maquinizar o sentimento”. É neste conceito que está a trabalhar?
R. – Esse texto, como os restantes, é recente, um pouco para fugir às letras. Neste caso, letras de há nove anos que não têm piada nenhuma…
P. – Mas a palavra ocupa um lugar de destaque na sua obra, não é verdade?
R. – Sim, mas a palavra fonética.
P. – Então e o disco de poesia que gravou?
R. – É verdade, com o Paulo da Costa Domingos e o Hélder Moura Pereira. E no meu próximo trabalho vou usar um texto do Keats, aproveitado de uma sessão que fiz em Março deste ano na casa Fernando Pessoa, no lançamento desse disco, onde li, além de Keats, Lorca, Pessoa, o Hélder e o Paulo, claro, e um excerto de uma antologia de poesia, uma cantiga de amigo, do Herberto Hélder.
P. – O título de “Visão Lynch” é uma referência explícita ao cineasta?
R. – Sim, na altura vi alguns filmes dele. Tem um lado catastrófico e psicanalista que tem a ver comigo, com a minha sensibilidade. Sou catastrófica mas não no sentido de irmos destruir isto tudo ou de atirar uma bomba… Embora, às vezes, até me apetecesse (risos). É no sentido em que há um lado deprimente, uma tendência para fatalizar.
P. – Se pudesse, onde é que deitaria a bomba?
R. – Não era aqui no PÚBLICO. Ainda não! [risos] Deixe sair esta entrevista primeiro. Seria nas editoras. Só apostam em coisas comerciais que, às vezes, nem sequer dão resultado.
P. – De futuro, pensa cultivar algum tipo de imagem?
R. – Preocupo-me. Para este disco fui buscar, para fazer o styling, um estilista, o Dino Alves, que tem um lado de “enfant terrible”. As fotos são da Adriana Freire.
P. – Estudou canto lírico. Nunca pensou em fazer o mesmo em relação a técnicas de canto ligadas às culturas tradicionais, uma tendência, aliás, agora muito em voga?
R. – Não faço isso cientificamente, como a Fátima Miranda, por exemplo, em que passa anos a trabalhar aquelas coisas. Fiz isso em relação ao canto lírico, é verdade, mas já viu o que era outros nove anos para os outros? Quando chegasse aqui, já andava de bengalas! [risos]

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