17/10/2014

O baterista e o programador [Bernd Friedmann & Jaki Liebezeit]



Y 1|JUNHO|2001
escolhas|ao vivo

bernd friedmann

o baterista e o programador

Ambos naturais de Colónia, um dos núcleos criativos da música alemã, do krautrock dos anos 70 até às atuais correntes eletrónicas, Burnt Ou Bernd…) Friedmann e Jaki Liebezeit, baterista dos Can, atuam juntos na Bienal da Maia, concretizando uma ligação que faz toda a lógica, para além da origem geográfica comum.
            Na música de Friedmann, também ele inicialmente um baterista que transitou para a programação por uma questão de “maior facilidade”, a componente rítmica assume importância primordial (regra que um álbum como “Leisure Zones”, de 1996, totalmente ambiental e “grooveless” desmente…), não sendo de espantar a presente conjunção com um dos bateristas que mais longe levou uma conceção tribal do ritmo, Jaki Liebezeit, força motriz dos Can, um dos grupos do krautrock original pelo qual Friedmann nunca escondeu a sua admiração.
            Desta colaboração entre a eletrónica e o batuque será de esperar qualquer coisa como a atualização do transe dos Can em moldes programáticos. Se pensarmos que nos autores de “Monster Movie”, “Tago Mago”, “Ege Bamyasi” e “Future Days” o aleatório jogava a favor das longas improvisações – em bruto ou trabalhadas à posteriori no estúdio –, mais sentido faz esta aproximação entre os dois alemães, sabendo-se, além do mais, da predileção que Friedmann nutre pelo acaso, enquanto fator ativo na criação.
            À componente artesanal e eletroétnica “avant la lettre” dos Can junta-se o gosto de Friedmann em desfazer a distinção entre “acústico” e “eletrónico”, gesto permitido pelo sampler. Eis o lado mais orgânico e visceral de duas músicas separadas originariamente pelo tempo que, por fim, se reúnem na unidade de um idêntico conceito.
            A par da atual colaboração com o baterista dos Can, com a qual faz uma reavaliação do lado mais telúrico e “irracional” da sua música, Friedmann mantém estreitas relações com a eletrónica, desdobrando-se por projetos como Nonplace Urban Field (nos álbuns “Nuf Said” e “Raum  fur Notizen”, entre outros), Some More Crime (“Code Opera”), Drome (“Dromed”, “The Final Colonization of the Unconscious”) e Flanger, esta última ao lado de Uwe Schmidt (Atom Heart), cujo último trabalho, “Templates”, foi unanimemente aclamado pela crítica.
            Para Bernd Friedmann a estética minimalista cultivada nos Flanger “não é muito diferente daquilo que um baterista faz”, sem a samplagem “é uma imitação, mas uma simulação que em última instância anula as diferenças que podem subsistir entre natural e artificial”, como disse em entrevista ao PÚBLICO.
            A diferença que separa um baterista como Jaki Liebezeit de um programador “naturalista” como Friedmann esbate-se, assim, numa música global que deriva de uma conceção do ritmo enquanto corpo das emoções e dos instintos. Como era a dos Can. Como é, também, a de Bernd Friedmann.
            Friedmann lança uma imagem: “Quando vou passear para uma floresta não o faço porque o sol está a brilhar, mas porque quero desfrutar do sol e das suas sombras. As sombras vão mudando constantemente e a luz vai sendo refletida por entre as árvores e é isso que me atrai”.
            Enamorado pelos contos dos irmãos Grimm – “tenebrosos e aterrorizantes, que incutem uma falsa culpa às crianças” –, editou entretanto o seu próprio manual romântico de rituais secretos e jogos amorosos com as sombras, a que deu o nome de “Plays Love Songs”, um olhar apontado às “relações pessoais” e aos “comportamentos sexuais” padronizados segundo aquilo a que chama “red light issues”. Sexo e pornografia, romance e isolamento. Sinais contraditórios que trata com crueza e uma boa dose de ironia.
            Sobre Jaki Liebezeit, 53 anos, a história do rock já se pronunciou. Sem a sua batida, simultaneamente tribal e metronómica, a música dos Can (e da sua banda, os Phantom Band) ter-se-ia diluído no caos. Ele foi um dos bateristas que deu rosto humano à “motorika”, ritmo militarista, repetitivo e monocórdico que caracterizou bandas do krautrock como os Neu!, La Düsseldorf e Harmonia. Com Jaki Liebezeit o instinto encontrou a segurança numa fórmula matemática.
            Na primeira parte do concerto da Maia, atuam os Pluramon, de Markus Schmickler, que na 5ª feira tocará a solo no bar Aniki-Bobó, no Porto, estando o fecho da noite entregue ao djing de Georg Odjik, da editora a-musik. Na linha mais vanguardista e eletrónica do pós-rock alemão, os Pluramon editaram em 1998 o álbum “Render Bandits”, objeto de revisitação, no ano passado, em “Bit Sand Riders”, com remisturas de Mogwai, Hecker, Atom Heart, High Llamas, Lee Ranaldo, Matmos, SND, FX Randomiz e Merzbow.


BERND FRIEDMANN E JAKI LIEBEZEIT
MAIA | Zona industrial, setor x, na antiga fábrica Fimai.
Às 22h. Bilhetes a 1000$00

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