16/10/2019

'Big Band' de Dave Holland foi enorme no CCB


CULTURA
SEGUNDA-FEIRA, 21 JUL 2003

Crítica Música

‘Big band’ de Dave Holland foi enorme no CCB

DAVE HOLLAND BIG BAND
LISBOA, Grande Auditório do Centro Cultural de Belém
Sexta-feira, 21h.
Lotação esgotada.

Foi grande a “big band” de Dave Holland, na noite de sexta-feira, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, a encerrar da melhor forma, que é como quem diz, com jazz do mais alto quilate, o XXII Estoril Jazz/Jazz num Dia de Verão. Com a sala a abarrotar, até aos camarotes mais altos, como poucas vezes se viu no CCB.
O grupo correspondeu e ultrapassou as expetativas, embora a perfeição, sobretudo por motivos técnicos, não tivesse sido o limite. O músico americano, como se sabe, sabe-a toda. O seu contrabaixo não conhece limitações. De alto a baixo, do granito à nuvem, as cordas, a madeira, mãos, corpo, balanço e respiração formaram uma entidade única, apenas música, nascida do silêncio para se fixar em beleza e proporção.
Afinação quase sobrenatural, segurança só possível em quem, mais do que assimilou a história, é parte integrante da própria história do jazz, garantiram a coluna e a chama sobre os quais o coletivo funcionou. Holland dirigiu sem impor mas a voz de comando fez-se sempre sentir. A manter a coesão do compasso sem lhe proibir o sobressalto da surpresa, segurando o “swing” sem o apertar, mostrando e sugerindo pistas, indicando aos músicos os caminhos a seguir sem lhes cortar as asas da imaginação.
Antonio Hart, no saxofone alto e na flauta, Gary Smulyan, no barítono e, musicalmente mais evoluído, Chris Potter, no tenor, sobressaíram enquanto solistas do naipe de metais. Sobretudo Potter, a dominar e a reinventar, de forma exemplar, as voltas e contravoltas do “bop”. Ele, melhor do que ninguém, “libertou” e estendeu os característicos arranjos de “big band”, como estão registados no novo álbum”What Goes Around”, ao pegar nos modelos tradicionais e, a partir deles, criar espaços de manobra alternativos, dando outras vozes e medidas ao som do coletivo. Com Holland obviamente atento ao desenrolar dos acontecimentos e das invenções.
Fulcral na economia da mais recente fase do contrabaixista é – como já se percebera no capítulo discográfico a partir de “Dream of the Elders”, de 1995 – a presença do vibrafonista Steve Nelson, merecedor, no concerto de sexta, de um lugar à parte no palco, separado dos outros músicos. Nelson é o contrapoder, o fabricante de timbres de vidro e de cristal. O contrapontista com liberdade de intervir e decorar a seu bel prazer, autorizado a transformar a “coisa séria” em diversão. Infelizmente, se a marimba fez ouvir ao pormenor a leveza e o jogo, quase infantil, do seu executante, já o vibrafone, timidamente amplificado, poucas vezes deu oportunidade a que se confirmasse ao vivo todo o colorido tímbrico e frescura rítmica que ressaltam de álbuns como “Points of View” ou “Not for Nothin’”, com a ressalva de se tratar, nestes casos, de música para pequeno ensemble.
Ainda no capítulo do ritmo, o “encore” “Shadow dance”, recortado de “What Goes Around”, proporcionou um fabuloso diálogo entre o contrabaixo e a bateria de Billy Kilson, com este a mostrar que a bateria também pode voar como um pássaro, num solo todo ele construído sobre o afago nas peles e a edificação de uma estrutura tão volátil como o ar e, no entanto, com a solidez de uma lei irrefutável.
Quando o jazz se oferece como se ofereceu neste concerto, em noite para recordar por muitos anos, acredita-se que a vida é para se viver de fio a pavio. Com a força, a crença, a complexidade e ao mesmo tempo a simplicidade e, porque não dizê-lo, a paixão, iguais aos da grande banda de Dave Holland.

EM RESUMO
O melhor A musicalidade e a criatividade espantosas de Dave Holland, transpostas para as funções de líder de grande orquestra
O pior A amplificação, demasiado tímida, do vibrafone de Steve Nelson

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