29/10/2019

Rolling Stones: o mito comprovou-se num concerto arrasador


DESTAQUE
SEGUNDA-FEIRA, 29 SET 2003

Rolling Stones: o mito comprovou-se num concerto arrasador

São, de facto, eternos e provaram-no em Coimbra, num concerto memorável. O mito continua vivo e de carne e osso. Os Rolling Stones são o rosto perene do rock ‘n’ roll

Parece incrível, mas é verdade. Treze anos volvidos sobre o primeiro concerto dos Stones em Portugal, a banda de Mick Jagger, Keith Richards, Charlie Watts e Ron Wood está mais poderosa do que nunca, oferecendo às 45 mil pessoas que no sábado se deslocaram ao novo estádio municipal de Coimbra uma atuação onde o rock puro e duro e a energia ultrapassaram os níveis do espetáculo de 1990. “Um concerto mais próximo do verdadeiro espírito do grupo”, em oposição aos “bonecos, manierismos e excesso de efeitos” dessa altura, na opinião de Pedro Branco, uma dos mais ferrenhos fãs portugueses dos Stones.
            Foi, numa palavra, arrasador. Mick Jagger e os seus companheiros, ficou definitivamente provado, não têm idade. “Rockam” como putos e o mais espantoso de tudo é que parecem sinceros quando, volvidas quatro décadas de carreira, continuam a inflamar-se ao interpretarem canções tão antigas como “Paint it black” ou “(I can’t get no) satisfaction”.
            “Brown sugar”, empacotada num rock ‘n’ roll em combustão, abriu o concerto, pondo de imediato todos em sentido. “Estes gajos não brincam em serviço”, terão pensado os mais incrédulos. Seguem-se “Start me up” e “You got me rockin’”, não menos abrasivos. Jagger saúda em português a multidão: “Olá Coimbra, olá Portugal, é bom estar de volta!”. “Don’t stop”, canção recente, é a exceção num concerto de clássicos, que prossegue com “Angie”, iluminada pela luz dos isqueiros e, de regresso à linha dura, “You can’t Always get what you want”. “Miss you” e “Tumbling dice” antecedem a apresentação dos músicos em palco e Jagger aproveita para descansar, oferecendo o microfone a Keith Richards, que canta “Slipping away” e “Happy”. Depois, bem... depois, as almas mais sensíveis devem ter corado ao sentirem-se atraídas pelo inferno. “Sympathy for the devil” acende-se num mar de vermelho, sob as labaredas que irrompem do alto da estrutura metálica montada sobre o palco. Jagger é o diabo em pessoa e, como que possuída, a multidão acompanha-o na blasfémia da letra. “Pleased to meet you, hope you guess my name”. Poderoso e assustador.
            Recarregadas as baterias diretamente da bateria do demo, os Stones atravessam, um a um – por entre os gritos e mãos estendidas que querem a todo o custo tocar nos seus ídolos – uma longa passadeira que os conduz a um segundo palco, minúsculo, instalado no centro do relvado. Keith Richards é o mais efusivo e toma um verdadeiro banho de multidão. Sente-se que a ocasião é especial. Os Stones pretendem mostrar que não estão dispostos a perder um contacto mais físico com os seus admiradores. Fazem-no através de um regresso às origens, sem adereços, apenas com a música a estalar como uma bofetada: “It’s only rock & roll”, “Like a rolling stone” e Street fighting man” (um dos três temas, juntamente com “Paint it black” e “Jumpin’ Jack Flash”, em que Richards usa um efeito de guitarra que a faz soar como uma “sitar” indiana).
            Mas o melhor estava guardado para o fim. Já no palco principal, a sequência final fica para a história como um monumento ao rock ‘n’ roll, suficiente para levar muita gente a exclamar, como ouvimos mais do que uma vez: “Foi o concerto da minha vida!”. “Gimme shelter” antecede o momento mais alto da noite – uma interpretação de antologia de “Paint it black”. Aqui não há espaço para truques. Os Stones são isto,  obra ao negro, a revolta e o sonho torturado. Em 2003, num estádio de futebol em Coimbra, o Psicadelismo (mais do que na atuação, comparativamente morna, dos Primal Scream) ressuscitou na sua vertente mais escura e subversiva. Bastava olhar para os olhos fechados de Jagger ou para os trejeitos de fúria de Richards para se perceber que algo de irrepetível estava a acontecer. Arrepiante.
            “Honky tonk women” permite uma breve descompressão. Jagger cultiva, desta vez sim, a sua veia exibicionista e corre de ponta a ponta à largura do estádio, ao longo das duas passadeiras laterais instaladas para o efeito, excedendo-se nos requebros, numa demonstração de boa forma física que parece milagre. Faltava o ritual por que todos esperavam. E ele chega como um incêndio instantâneo. Às primeiras notas de “(I can’t get no) satisfaction”, o estádio inteiro salta como uma mola, com 45 mil gargantas a cantar em êxtase, sob uma chuva de “confetti” vermelhos disparados por canhões, “I can’t get no/satisfaction/hey, hey, hey, that’s what I say”.
            O único “encore”, “Jumpin’ Jack Flash” – acompanhado pelo fogo, pelas luzes e pelos cânticos da multidão – não fez mais do que confirmar uma verdade que Coimbra confirmou ser eterna: os Rolling Stones são, de facto, a maior banda de rock ‘n’ roll do universo.

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