Pop Rock
22 de Novembro de 1995
22 de Novembro de 1995
Rui Veloso descobre “Lado Lunar”
A face escura da lua
Rui Veloso rendeu-se aos prazeres da vida doméstica. Recluso na sua propriedade, algures na zona de Sintra, é aí que passa a maior parte dos seus dias e foi aí que gravou a música do seu novo álbum, “Lado Lunar”, posto à venda ontem. O seu discurso é o de um homem desiludido, cansado de ter desperdiçado tempo em “copos” e “noitadas”. Considera-se um escritor de canções e reafirmou o seu amor pelos clássicos. Promete, quando o deixarem, gravar um disco só de blues.
Foi numa fortaleza rodeada de verde que o PÚBLICO visitou Rui Veloso. Num fim de tarde chuvoso, propício à melancolia. Talvez sejam estas, de resto, as condições climatéricas ideais para se apreciar as canções de “Lado Lunar”. Um álbum que corre devagar, ao mesmo ritmo de um músico a quem um dia, talvez por engano, chamaram o “pai do rock português”.
PÚBLICO – De que lado está o “Lado Lunar”?
RUI VELOSO – O lado lunar é o lado mais escondido das pessoas, aquele que não conhecemos imediatamente. Às vezes as pessoas parecem uma coisa e ao fim de certo tempo revelam-se outras.
P. – Ao contrário de “Auto da Pimenta”, onde arrisca em termos formais, este seu novo disco é talvez demasiado conformista…
R. – É um disco mais normal. O “Auto da Pimenta” é um álbum temático onde se podia seguir por certos campos musicais que aqui não teriam lógica. O “Lado Lunar” tem mais a ver com o tempo em que vivemos, com os anos 90.
P. – Dá a ideia de que encontrou um nicho e se deixou ficar lá a descansar.
R. – Sou um escritor de canções. É isso que quero fazer. Gosto de me colocar ao lado de compositores clássicos como o Cole Porter, o Gershwin ou o António Carlos Jobim. A única coisa que fizeram durante toda a vida foi escrever canções. Não é uma questão de trazer algo de novo. O que é que se pode fazer de novo senão boas canções?
P. – Antes “não havia estrelas no céu”. Agora chamou a uma nova canção “Já não há canções de amor”. Uma piscadela de olhos ao passado?
R. – Obviamente que pensámos que iriam dizer “não sei quê não sei que mais”. Mas não há problema. Há tantas canções de amor a dizer as mesmas coisas…
P. – “Lado Lunar” não será uma tentativa de fixar o seu antigo público, que terá ficado confundido com “Auto da Pimenta”?
R. – Não sou uma pessoa que esteja muito preocupada com o público. Apenas faço aquilo de que gosto.
P. – Hoje dá a imagem de uma pessoa muito mais fechada, mais metida consigo própria.
R. – Tem que ser!
P. – Porquê?
R. – Porque uma pessoa perde muito tempo com coisas que não interessam. Tem que se fechar no seu mundo e virar-se para dentro para poder fazer aquilo de que gosta. Tenho a sensação de que andei a perder muito tempo com coisas que não têm que ver com a música, tais como jantares, sair à noite ou beber copos com os amigos.
P. – A segurança familiar que alcançou reflecte-se na música que faz actualmente?
R. – É óbvio. E não só. Também o facto de me ter mudado da cidade para aqui, para o campo, onde encontro o silêncio suficiente. Vivo aqui e espero morrer aqui!
P. – Essa fuga do mundo não tem aspectos negativos?
R. – É capaz de ter. É natural que daqui a alguns anos sinta a falta de outra coisa, e vá dar uma curva, fazer outro tipo de vida. Para já, cheguei à conclusão de que devia ter trabalhado mais, feito mais e melhor.
P. – Acha que fez pouco, no passado?
R. – Então, em quinze anos tenho sete discos!
P. – A quantidade é o mais importante?
R. – Podia ter feito mais se me tivesse dedicado mais. A minha confissão é essa.
P. – Sente necessidade de se confessar?
R. – Tenho 38 anos. Um gajo começa a ver o horizonte cada vez mais perto e a ter a sensação de que já não tem muito tempo pela frente.
P. – Aos 38 anos!?...
R. – Sei lá, tenho visto amigos morrer. Ainda há pouco tempo morreu um amigo nosso com 26 anos com um ataque cardíaco [NR: o jornalista Luís Mateus, recentemente falecido]. Uma coisa boa de ter mudado para aqui é que acho que corro menos riscos. Levo uma vida mais serena, menos stressada.
P. – Não é outro tipo de morte, agir em função do medo?
R. – Não sei. Deve ter havido outros compositores, como eu, para quem isso serviu de estímulo. Fiquei um bocado obcecado a partir do momento em que tomei consciência de que morria. Até uma certa idade um gajo não tem consciência disso. É imortal.
P. – Depreendo do que disse há pouco que tenciona, a partir de agora, gravar mais discos?
R. – Acho que sim. Passarei a gravar mais discos e a trabalhar bastante mais. Os espectáculos ao vivo passarão a funcionar como um contraponto. Neste país, infelizmente, a maior parte dos músicos, eu, inclusive, durante muitos anos, depende dos concertos. O que desorganiza a vida toda, quando é preciso, por exemplo, andar um ano inteiro a tocar. Gostava de poder ter mais tempo para tocar guitarra em casa, sentar-me duas ou três horas ao piano, fazer exercícios de voz… Gostava de fazer isso para poder melhorar.
P. – Disse também que apenas faz aquilo de que gosta. Isso aplica-se à versão do Hino Nacional que cantou antes do recente Portugal-Irlanda?
R. – Deu-me imenso prazer. Apesar de o microfone ter falhado. Mas isso é típico de Portugal, onde acontecem sempre estas coisas. Ouvia-se o “delay” do estádio. Na rádio é capaz de ter resultado. Na televisão soou-me péssimo. Já ouvi dizer que cantei desafinado…
P. – Foi positivo para a sua carreira, e para a sua imagem?
R. – A minha imagem é aquilo que eu sou. Aliás, não sou o único artista a não se preocupar com a imagem. Estou a lembrar-me do Van Morrison, por exemplo, que se está marimbando que digam que tem mau feitio e anda por aí sempre a fazer o mesmo disco, e sempre bom.
P. – E o Rui Veloso, está sempre a fazer o mesmo disco?
R. – Eventualmente. Mas sabe que é difícil fazer músicas diferentes só com três ou quatro acordes…
P. - … Como nos “blues”. Quando é que se decide a gravar um disco só de blues?
R. – Hei-de fazer. Só ainda não o fiz porque a editora tem recusado sempre qualquer veleidade nesse sentido. Agora tenho mais hipóteses, porque tenho o meu próprio estúdio. O estado de “recluso” em que vivo vai eventualmente dar-me tempo para seleccionar os músicos. Hei-de gravar esse álbum, nem que seja só para mim!
P. – Entretanto, tocou um “tin whistle” irlandês, no tema “Cipreste”, por sinal um dos mais bonitos do novo disco…
R. – Tenho para aí guardados uns seis ou sete. Nem aprendi a tocar. Pega-se naquilo e toca-se. No tema “Cipreste” ouvi o som do “tin whistle” na cabeça. Gosto imenso de música irlandesa e escocesa: Boys of the Lough, Davy Spillane, House Band, Battlefield Band, Chieftains, Silly Wizard…
P. – A guitarra faz parte da sua vida?
R. – Se não tocasse, ia fazer o quê? Jogar futebol não ia de certeza. Se partisse uma mão, era um problema. Seria um sofrimento muito grande. Tocar é uma necessidade. Como ir à casa-de-banho.
Foi numa fortaleza rodeada de verde que o PÚBLICO visitou Rui Veloso. Num fim de tarde chuvoso, propício à melancolia. Talvez sejam estas, de resto, as condições climatéricas ideais para se apreciar as canções de “Lado Lunar”. Um álbum que corre devagar, ao mesmo ritmo de um músico a quem um dia, talvez por engano, chamaram o “pai do rock português”.
PÚBLICO – De que lado está o “Lado Lunar”?
RUI VELOSO – O lado lunar é o lado mais escondido das pessoas, aquele que não conhecemos imediatamente. Às vezes as pessoas parecem uma coisa e ao fim de certo tempo revelam-se outras.
P. – Ao contrário de “Auto da Pimenta”, onde arrisca em termos formais, este seu novo disco é talvez demasiado conformista…
R. – É um disco mais normal. O “Auto da Pimenta” é um álbum temático onde se podia seguir por certos campos musicais que aqui não teriam lógica. O “Lado Lunar” tem mais a ver com o tempo em que vivemos, com os anos 90.
P. – Dá a ideia de que encontrou um nicho e se deixou ficar lá a descansar.
R. – Sou um escritor de canções. É isso que quero fazer. Gosto de me colocar ao lado de compositores clássicos como o Cole Porter, o Gershwin ou o António Carlos Jobim. A única coisa que fizeram durante toda a vida foi escrever canções. Não é uma questão de trazer algo de novo. O que é que se pode fazer de novo senão boas canções?
P. – Antes “não havia estrelas no céu”. Agora chamou a uma nova canção “Já não há canções de amor”. Uma piscadela de olhos ao passado?
R. – Obviamente que pensámos que iriam dizer “não sei quê não sei que mais”. Mas não há problema. Há tantas canções de amor a dizer as mesmas coisas…
P. – “Lado Lunar” não será uma tentativa de fixar o seu antigo público, que terá ficado confundido com “Auto da Pimenta”?
R. – Não sou uma pessoa que esteja muito preocupada com o público. Apenas faço aquilo de que gosto.
P. – Hoje dá a imagem de uma pessoa muito mais fechada, mais metida consigo própria.
R. – Tem que ser!
P. – Porquê?
R. – Porque uma pessoa perde muito tempo com coisas que não interessam. Tem que se fechar no seu mundo e virar-se para dentro para poder fazer aquilo de que gosta. Tenho a sensação de que andei a perder muito tempo com coisas que não têm que ver com a música, tais como jantares, sair à noite ou beber copos com os amigos.
P. – A segurança familiar que alcançou reflecte-se na música que faz actualmente?
R. – É óbvio. E não só. Também o facto de me ter mudado da cidade para aqui, para o campo, onde encontro o silêncio suficiente. Vivo aqui e espero morrer aqui!
P. – Essa fuga do mundo não tem aspectos negativos?
R. – É capaz de ter. É natural que daqui a alguns anos sinta a falta de outra coisa, e vá dar uma curva, fazer outro tipo de vida. Para já, cheguei à conclusão de que devia ter trabalhado mais, feito mais e melhor.
P. – Acha que fez pouco, no passado?
R. – Então, em quinze anos tenho sete discos!
P. – A quantidade é o mais importante?
R. – Podia ter feito mais se me tivesse dedicado mais. A minha confissão é essa.
P. – Sente necessidade de se confessar?
R. – Tenho 38 anos. Um gajo começa a ver o horizonte cada vez mais perto e a ter a sensação de que já não tem muito tempo pela frente.
P. – Aos 38 anos!?...
R. – Sei lá, tenho visto amigos morrer. Ainda há pouco tempo morreu um amigo nosso com 26 anos com um ataque cardíaco [NR: o jornalista Luís Mateus, recentemente falecido]. Uma coisa boa de ter mudado para aqui é que acho que corro menos riscos. Levo uma vida mais serena, menos stressada.
P. – Não é outro tipo de morte, agir em função do medo?
R. – Não sei. Deve ter havido outros compositores, como eu, para quem isso serviu de estímulo. Fiquei um bocado obcecado a partir do momento em que tomei consciência de que morria. Até uma certa idade um gajo não tem consciência disso. É imortal.
P. – Depreendo do que disse há pouco que tenciona, a partir de agora, gravar mais discos?
R. – Acho que sim. Passarei a gravar mais discos e a trabalhar bastante mais. Os espectáculos ao vivo passarão a funcionar como um contraponto. Neste país, infelizmente, a maior parte dos músicos, eu, inclusive, durante muitos anos, depende dos concertos. O que desorganiza a vida toda, quando é preciso, por exemplo, andar um ano inteiro a tocar. Gostava de poder ter mais tempo para tocar guitarra em casa, sentar-me duas ou três horas ao piano, fazer exercícios de voz… Gostava de fazer isso para poder melhorar.
P. – Disse também que apenas faz aquilo de que gosta. Isso aplica-se à versão do Hino Nacional que cantou antes do recente Portugal-Irlanda?
R. – Deu-me imenso prazer. Apesar de o microfone ter falhado. Mas isso é típico de Portugal, onde acontecem sempre estas coisas. Ouvia-se o “delay” do estádio. Na rádio é capaz de ter resultado. Na televisão soou-me péssimo. Já ouvi dizer que cantei desafinado…
P. – Foi positivo para a sua carreira, e para a sua imagem?
R. – A minha imagem é aquilo que eu sou. Aliás, não sou o único artista a não se preocupar com a imagem. Estou a lembrar-me do Van Morrison, por exemplo, que se está marimbando que digam que tem mau feitio e anda por aí sempre a fazer o mesmo disco, e sempre bom.
P. – E o Rui Veloso, está sempre a fazer o mesmo disco?
R. – Eventualmente. Mas sabe que é difícil fazer músicas diferentes só com três ou quatro acordes…
P. - … Como nos “blues”. Quando é que se decide a gravar um disco só de blues?
R. – Hei-de fazer. Só ainda não o fiz porque a editora tem recusado sempre qualquer veleidade nesse sentido. Agora tenho mais hipóteses, porque tenho o meu próprio estúdio. O estado de “recluso” em que vivo vai eventualmente dar-me tempo para seleccionar os músicos. Hei-de gravar esse álbum, nem que seja só para mim!
P. – Entretanto, tocou um “tin whistle” irlandês, no tema “Cipreste”, por sinal um dos mais bonitos do novo disco…
R. – Tenho para aí guardados uns seis ou sete. Nem aprendi a tocar. Pega-se naquilo e toca-se. No tema “Cipreste” ouvi o som do “tin whistle” na cabeça. Gosto imenso de música irlandesa e escocesa: Boys of the Lough, Davy Spillane, House Band, Battlefield Band, Chieftains, Silly Wizard…
P. – A guitarra faz parte da sua vida?
R. – Se não tocasse, ia fazer o quê? Jogar futebol não ia de certeza. Se partisse uma mão, era um problema. Seria um sofrimento muito grande. Tocar é uma necessidade. Como ir à casa-de-banho.
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