1 de Março de 1995
álbuns poprock
O amor como forma de suplício
P. J. HARVEY
To Bring You My Love
Island, distri. Polygram
Polly Jean Harvey é querida da crítica. “Dry” fez parte da lista dos melhores álbuns do ano para o “New York Times”, “Village Voice” e “Rolling Stone”, e ela própria foi eleita por esta última publicação a “melhor compositora” e “melhor nova cantora”. “Rid of me”, e a posterior experiência de rarefacção que é “4-Track Demos”, foram igualmente recebidos com um coro de elogios. Polly Jean tem vários trunfos na mão, a começar pelos seus talentos vocais.
Ao ouvir-se a sua voz torturada no tema de abertura, precisamente “To bring you my love”, é impossível não pensar em Janis Joplin. É o mesmo “cocktail” explosivo de dor, raiva e ironia, com amarras naquela corrente subterrânea que se iniciou nos anos 60 com Janis e os Doors e derivou na actualidade para o niilismo conceptual dos Einstuerzende Neubauten, a autocrucificação tornada espectáculo de variedades de Nick Cave e Jim Thirwell, o humanismo “sado-maso” dos Suicide ou a perversidade viral de Diamanda Galas. O mesmo é dizer que P. J. Harvey tem raízes, bem fundas, no passado mais negro do rock.
“To Bring You My Love” é um álbum de emoções e sonoridades saturadas. Das guitarras torturadas às inflexões histriónicas da voz, o excesso é uma constante. Como se Polly Jean, que aqui assegura o desempenho nos teclados, vibrafone e outras percussões, tentasse tatuar em nós cada palavra e cada melodia ensopada em sangue, sem deixar espaço para a fuga ou para a indiferença. Os ritmos alternam entre o fragor de edifícios em derrocada, martelos pneumáticos descontrolados e metais em processos de corrosão acelerada. A primeira vaga de violência explícita vai no entanto dando progressivamente lugar a um outro tipo de crueldade, mais contida mas não menos perturbante.
“Teclo” é uma balada caleidoscópica dooriana e “I think I’m a mother” uma ameaça sussurrada no fundo de um poço. Jesus e o diabo cruzam-se constantemente com P. J. Harvey, sobretudo quando o tema é o amor, ou o seu duplo, como é o caso em “To bring you my love” e “Send his love to me”, neste último com a cantora a descer ao lugar, no céu ou no inferno, onde se agitava Jim Morrison, ao fundo do corredor de “The end”. Polly acaba a dançar desamparada no tema final, “The dancer”. Transportada por um órgão gospel, numa glória a negro e ouro com o cheiro da morte. (9)
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