Pop Rock
18 de Outubro de 1995
18 de Outubro de 1995
Gaiteiros de Lisboa lançam “Invasões Bárbaras”
“PARA REBENTAR AS COLUNAS”
“Invasões Bárbaras” dá a volta ao texto da música de raiz tradicional feita em Portugal. Os Gaiteiros de Lisboa não facilitam e o seu disco de estreia promete não dar descanso a ninguém. Longe vão os tempos em que ajoelhavam para ouvir Giacometti. Com a ajuda de José Mário Branco, partiram em direcção desconhecida. Não deixaram pedra sobre pedra.
“Invasões Bárbaras”. Guerra. Contra quê ou quem? “Há uma invasão de um espaço que tem sido ocupado por outros grupos que se dedicam à música popular portuguesa. A nossa proposta diverge bastante. O barbarismo aparece como conceito estético”, diz Carlos Guerreiro, tocador de sanfona dos Gaiteiros. “Por outro lado”, continua, “as pessoas que se sentarem tranquilamente em casa para ouvir o disco são capazes de ter uma surpresa e sentir-se também invadidos.” Os Gaiteiros de Lisboa representam a facção “hardcore” da nossa música de raiz tradicional. “É um disco para rebentar as colunas!...”
A música tradicional, mais do que uma base de trabalho, é um pretexto. “Temos essa referência”, diz José Manuel David, gaiteiro e ex-Almanaque, “simplesmente a ideia é que não estamos aqui para ensinar nada a ninguém, mas sim para defendermos um projecto estético que passa pela música tradicional, que abordamos por um caminho completamente diferente do que tem sido trilhado por outros grupos.” Da “espécie de ‘jam sessions’”, segundo a expressão de Rui Vaz, outro dos sopradores de gaita-de-foles de grupo, ou “sessões de laboratório”, como prefere chamar-lhe José Manuel David, que constituem os ensaios, chegou-se a um som em que a presença de José Mário Branco desempenhou um papel importante, enquanto produtor e director musical.
Carlos Guerreiro assume parcialmente essa influência, até porque alinhou ao lado do autor de “Margem de Certa Maneira” no cadinho revolucionário do GAC. Mas põe os pontos nos “is”, delimitando duas entidades distintas e autónomas: “Quando convidámos o José Mário Branco para este projecto, não foi à espera que ele trouxesse ideias que definissem uma estética para o grupo, mas sim porque achávamos que ele se inseria bem numa estética nossa previamente delineada.” Chegou a pensar-se que José Mário Branco seria o quinto elemento dos Gaiteiros.
“Ele também chegou a pensar isso!” [Risos.] Foi ainda uma questão de percurso”, acrescenta Rui Vaz. “Quando o abordámos, ele estava numa situação de baixa na sua vida, numa ‘down’. Nós aproveitámos um bocado isso. Quando ele começou a trabalhar connosco, começou a subir e, como provavelmente já não criava nem fazia nada há uma série de tempo, estava com uma força criadora enorme. (…) Mas nunca acreditámos que o José Mário Branco se pudesse diluir num grupo como os Gaiteiros.” Ponto final e uma pedra sobre o assunto.
Em concreto, “Invasões Bárbaras” não é um disco de gaita-de-foles. “Os Sétima Legião não são romanos, nem os Heróis do Mar eram marinheiros”, brinca Paulo Marinho, que divide a sua gaita-de-foles entre os Gaiteiros e a Sétima Legião, numa alusão às conotações que o nome da banda pode originar. As polifonias vocais estão na linha da frente. Para Carlos Guerreiro, “a música portuguesa tem muita harmonia e jogos de vozes. Os instrumentos sobre os quais tem assentado a maior parte do trabalho dos outros grupos na nossa área andam à volta das braguesas e dos cavaquinhos”. Os gaiteiros resolveram “aceitar o desafio de não usar esses instrumentos, os cordofones populares”. A opção incidiu nos instrumentos de palheta e nas vozes. “Como quando a sanfona aparece no ‘cante’ alentejano, capaz de escandalizar muitos puristas”. “Nós próprios olhávamos muitas vezes, espantados, uns para os outros!” “Conseguimos ultrapassar algumas coisas que tínhamos na cabeça, aquele respeito ilimitado pelo que considerávamos ser uno e indivisível.” “Um culto incrível” pela tradição, nas palavras de José Manuel David. “Quase que ouvíamos o Giacometti de joelhos”, recorda, divertido, Carlos Guerreiro.
Poderíamos arriscar, pela ideia de confronto aliada a um sentido lúdico exacerbado, a comparação com os suecos Hedningarna. Serão os gaiteiros os Hedningarna nacionais? É Carlos Guerreiro quem responde à nossa “provocação”: “Quando vi os Hedningarna pela primeira vez, senti uma certa identificação, disse até na brincadeira que gostava de ter um grupo como aquele. [‘Já tinha!’ lança Paulo Marinho, numa aparte]. Mas é uma identificação pela irreverência, pela forma como os gajos brincam com aquilo que no fundo é sagrado para os puristas. Uma atitude completamente ‘punk’!”
“Para fazer o que fazem os Hedningarna é preciso muito, mas muito conhecimento do que estão a fazer”, diz Rui Vaz, a concluir. “Com certeza que fizeram muita coisa antes [‘Devem ter andado todos em ranchos folclóricos!’ – outro aparte, agora de Carlos Guerreiro.] É outro ponto em comum que têm connosco.”
Os Gaiteiros de Lisboa deverão actuar ao vivo nos dias 8 e 9 de Novembro, no Centro Cultural de Belém.
Sem comentários:
Enviar um comentário