15 de Março de 1995
álbuns poprock
ESQUIMÓ FRESQUINHO
HECTOR ZAZOU
Chansons des Mers Froides (8)
Columbia, distri. Sony Music
Afastada a pesada cortina tecida numa lista interminável de convidados (Björk, Lightwave, Barbara Gogan, Mark Isham, Budgie, Brendan Perry, Suzanne Vega, John Cale, Sara Lee, Marc Ribot, Jerry Marotta, B. J. Cole, Lone Kent, Jane Siberry, Siouxsie, Harold Budd e Balanescu Quartet, mais, da área tradicional, Lena Willemark, Ale Moller, Angelin Tytot, Catherine Ann-McPhee e Värttina, entre outros…), o que une estas “Chansons des mers Froides” é a organização de signos e correntes musicais de sinal divergente num corpo musical que Hector Zazou define como um instrumento de “mudança do mundo”. Ou seja, dito por outras palavras, mais uma tentativa de criação de uma música global, Babilónia ou biblioteca Borgiana onde se arrumam todas as músicas conhecidas. Tarefa hercúlea na qual Hector Zazou possui no entanto já alguma experiência. Das experiências surrealizantes com os ZNR até à colagem do psicadelismo dos anos 60 com a música africana e a polifonia electrónica de “Reivax au Bongo”, passando pela etnopop computorizada de “Noir et Blanc” e o “disco” mutante de “Guilty” até ao neoclassicismo de “Géographies” e “Géologies”, Hector Zazou demonstrou sempre a mesma sede de síntese, necessariamente estabilizada a partir de um ponto de fuga situado por norma em conceitos extramusicais ou ao nível de leituras imaginárias de um pretenso folclore universal. No primeiro caso, está “Sahara Blue” numa vertente literária centrada na figura do simbolista Arthur Rimbaud, enquanto no segundo se inclui a experiência com as novas polifonias corsas. “Chansons des Mers Froides” é um projecto de trabalho, curiosamente gravado em 1992 mas só agora lançado no mercado, sobre as músicas tradicionais da Sibéria, Alasca, Gronelândia, Ilhas Hébridas, Suécia, Finlândia, e Japão, cuja matéria-prima são as canções de marinheiros, “airs” de localização e data que “se perdem na origem do tempo” e “melodias ainda vivas no quotidiano das populações tribais do Grande Norte”. Projecto do qual os posteriores “Les Nouvelles Polyphonies Corses” e “Sahara Blue”, apontados mais para Sul, seriam o contraponto “quente” deste novo lote de canções agora editado em conjunto com uma colecção de gravuras fotográficas alusivas às regiões frias. Claro que há uma dose enorme de humor em tudo isto e que tanta teorização pode ser encarada como uma monstruosa “boutade”, já que Zazou se diverte a confundir as pistas e a jogar em vários tabuleiros ao mesmo tempo. “Chansons des mers Froides” é uma hidra de múltiplas cabeças que se agitam em várias direcções, da música de dança às colisões industriais, do ritualismo ao jazz, do canto étnico à cançoneta, da electrónica ambiental ao concretismo bem comportado. Um truque de prestidigitação com as cores de uma aurora boreal.
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