Pop Rock
25 de Setembro de 1996
25 de Setembro de 1996
Boris Ex Machina estreiam
RETORNO AO INTERIOR
Boris Ex Machina, em homenagem a Boris Vian, escritor e músico. O primeiro álbum da banda acabou de sair, embora as canções andassem na cabeça dos músicos há já vários anos. Tem por título “Tango Infernal”. Junta tangos e valsas, Brel e literatura, o passado e o futuro, num parque de variedades virtual.
São seis os elementos que integram a formação dos Boris Ex Machina, mas apenas quatro puderam estar presentes na conversa com o PÚBLICO. Rini Luyks, o acordeonista holandês, está em França. Miguel Pereira, contrabaixista com formação clássica, encontra-se em digressão com a Orquestra Metropolitana de Lisboa. Os outros quatro – Armando Teixeira, teclas, programações e voz (também elemento dos Da Weasel e Bizarra Locomotiva), Ernesto Pinto, bateria, Carlos Morgado, guitarra, e Carlos Costa, guitarra – optaram por falar no colectivo.
PÚBLICO – O preto e branco e a pose do grupo na capa significam alguma imagem especial que queiram dar?
BORIS EX MACHINA – Há um ambiente que vem de há cinco anos a esta parte e que tem a ver com o “bas fond” dos cabarés. O nosso único interesse é mesmo tocar numa sessão de “strippers”, em festas de casamento, coisas assim…
P. – As danças de “Tango infernal” são o tango e a valsa…
R. – E rumbas! É uma música que reflecte, em parte, a nossa cultura, do país latino que somos. E mais acessível do que alguma música com origem externa que se ouve por cá. A valsa e o tango… Se calhar, na sua casa ou nas nossas, era o que os nossos pais ouviam. Isso e o fado, cujas letras reflectem uma certa nostalgia…
P. – Há nostalgia na música do grupo?
R. – Bastante.
P. – E tragédia?
R. – Sim, muito sublinhada pelas letras.
P. – Que, por vezes, não se conseguem perceber bem, abafadas pela música…
R. [de Armando Teixeira, A.T., aqui tínhamos que personalizar] – Pois, isso são os meus problemas de dicção, não há hipótese [risos]. Há músicas onde não se deve perceber minimamente o que estou a dizer… mas e relativo… Se não percebes a letra toda, pelo menos uma parte apanhas e acabas por construir uma imagem entre a música e essas partes da letra. Não pusemos as letras na capa por alguma razão…
P. – Sente-se na vossa música um certo luto que, por vezes, faz lembrar o universo estético dos Sétima Legião. Concordam?
R. – Não! Não! (…) [A.T.] Bem, vamos lá a ver, temos um determinado percurso e os Sétima Legião fizeram parte da minha adolescência, como o Tom Waits e tantos outros.
P. – Na ligação da electrónica aos sons acústicos, o nome dos Tuxedomoon diz-vos alguma coisa?
R. – Diz-nos muito. Fizeram história. Embora sejam bastante mais jazzísticos do que nós.
P. – Jacques Brel?
R. – Esse, sim, bastante mais do que todos os outros. “Le port d’Amsterdam”, gravado ao vivo, cada vez que ouvimos aquilo, dá-nos arrepios. É emoção, uma questão de “feeling”. E a ironia dele, mais do que tudo.
P. – A valsa é a vossa dança preferida?
R. – Se calhar é o tecno! [risos] Neste álbum, de facto, são as valsas e o tango. Tem três valsas e dois tangos – um resultado que se pode considerar equilibrado. Mas há algo a acrescentar: é que todos estes temas têm entre três e cinco anos.
P. – Por que motivo ligaram o adjectivo “infernal” ao tango e não à valsa, cujas conotações diabólicas são conhecidas?
R. – O tango é mais infernal! Pela cor. O vermelho, o púrpura, são muito mais “underground”. E este disco, embora não seja pesado, é um bocado fumarento, denso…
P. – Brel, valsa, acordeão, ambientes marítimos, no fim um poema de Mário de Sá-Carneiro e agora os fumos… O ambiente compõe-se… “Tango Infernal” é um disco de alucinações de ópio?
R. – Tem a ver com todo um imaginário. Mas sem dependências nenhumas… Na altura em que foi feito, as coisas batiam de maneira diferente. Se fosse feito agora, era muito mais leve.
P. – E as alusões à heroína, em “Cavalo louco”?
R. – Tem mais a ver com histórias e situações de pessoas que conhecemos. A maneira como descrevemos, nesse tema, a viagem não é a mais normal de se falar de droga, há aquele lado da perda dos amigos. Depois é aquilo de saberes que não deixas, não queres lá meter ninguém contigo mas a tendência é levares sempre mais alguém, embora não de forma consciente.
P. – Que tipo de dificuldades encontraram e os impediu de gravarem há mais tempo?
R. – Editoras, promessas… Depois, só há uns dois anos é que se começou a ouvir e a falar sobre um determinado tipo de música como a dos Tindersticks, por exemplo, que talvez tenham as mesmas influências que nós. Durante muito tempo, houve quase uma luta contra um tipo de música mais lenta. Há seis ou sete anos atrás, os Tindersticks não tinham qualquer hipótese de vingar. Agora nota-se de novo uma apetência por coisas que tinham sido completamente esquecidas pela pop, como o tango e a valsa.
P. – Despediram-se definitivamente do rock?
R. – Estamos a tentar! A música que fazemos é uma espécie de retorno ao nosso interior, da descoberta das origens dentro de nós mesmos.
P. – Já nos estávamos a esquecer de António Calvário, a propósito de alguns excessos de sentimento nas vocalizações…
R. – Sabe qual é o problema? Às vezes, essa coisa do amor, dessa maneira de cantar, é muito séria. A maneira como abordamos isso não é a gozar, queremos de facto dar esse ambiente. O tom pejorativo com que se fala do António Calvário ou do Tony de Matos é por culpa das pessoas que têm deles determinada imagem. O facto é que marcaram a cultura portuguesa. Devia ser um espectáculo estar a cantar naquelas rádios, com a orquestra por trás. Isso fascina-nos bastante. Claro que uma coisa era a atitude, a maneira como eles cantavam, e outra aquilo que diziam. O que nós dizemos não tem nada a ver com o que eles diziam. É aí que jogamos.
P. – Sentem algum particular fascínio pelos chamados “dias da rádio”, anteriores à televisão?
R. – Bastante. É capaz de ter sido a época mais bonita da rádio, pelo menos para nós, que a vemos à distância. Havia aquele “stress” todo do directo, do gajo que está a fazer o programa e está preocupado se o artista vai ou não chegar a horas ou se o som da orquestra está a sair audível lá fora, por uns transístores. E o fascínio das pessoas que estão a ouvir, as famílias que se reuniam num serão em volta de uma telefonia…
P. – Gostavam de fazer essa experiência, de tocar ao vivo e em directo na rádio?
R. – Gostaríamos muito, não uma coisa do tipo “unplugged”, mas um concerto em AM, com som AM, nada de FM estéreo. Vivam os Parodiantes!
P. – Seria o fim dos “samplers”?
R. – Só os utilizamos por não nos ser possível arranjar um instrumentista para cada som que se encontra lá. Uma orquestra de 50 elementos, era espectacular! É esse o nosso sonho. Uma filarmónica!!! Isso é que seria mesmo uma máquina, como aquelas bandas dos filmes italianos.
P.S. – Os Boris Ex Machina andam à procura de um baixista e de um pianista-organista. Os interessados podem contactar com a Symbiose pelo telefone (01)3526483
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