11/05/2008

Lisa Germano - Excerpts From A Love Circus

Pop Rock

18 de Setembro de 1996
poprock

LISA GERMANO
Excerpts from a Love Circus (8)
4AD, distri. MVM

“Sad Lisa”, cantava, já lá vão uns bons anitos, Cat Stevens. A Lisa mais triste, mas também mais acutilante, deste mundo, é, com certeza, Lisa Germano. E aquela que melhor traduzir essa tristeza em música que não prescinde da originalidade. “Excerpts from a Love Circus” – terceiro álbum posterior à obra-prima “Happiness” e ao exercício barroco de “Geek the Girl” – constitui um depoimento conturbado de uma alma atormentada pelo amor que deverá ser apreciado na maior intimidade. O tema recorrente é o dos fracassos e desencontros amorosos, tudo lágrimas e equívocos, uma busca que eternamente desemboca em traição. Mas quantas mulheres não fazem desse estendal de mágoas material de exibição para os seus discos? Hoje em dia, imensas, sem dúvida. A diferença está em que Lisa Germano, ao contrário daquelas, mergulha as suas sublimações e devaneios autobiográficos num universo musical pessoal e personalizado, onde as obsessões são submetidas ao método da coloração, sabendo nela bem o que noutras sabe mal.
Cuidados prévios a ter com este “circo do Amor” há, pelo menos um, importante: não confiar nas primeiras impressões. “Love Circus” é cioso dos seus segredos e não se revela aos ansiosos e apressados. Uma primeira leitura dá-nos a conhecer um fio narrativo poético-musical mais linear do que o dos seus dois anteriores trabalhos. As descontinuidades são menores, sendo aqui a separação temporal e temática mais nítida, de canção a canção. Por outro lado, a noção de ciclicidade e de repetição (velvetiana, no caso da abertura “Baby on the plane”, na sua derivação Suicide, de “Cheree”), bem como a sobreposição e saturação de timbres, jogam ainda mais forte do que no passado, o que exige um grau maior de cumplicidade e disponibilidade para penetrar as camadas cerradas de som que revestem cada tema. Como invólucros de electricidade húmida a servir de prisões que visitássemos com muita precaução, onde as guitarras soam como pântanos e o violino a um raspar de unhas no vidro (“A beautiful schizophrenic”).
É um álbum de luzes baixas, de néons e verniz fora de uso, uma noite de insónia passada numa águas-furtadas a contar as baixas de guerra, na companhia de osgas e lesmas sonolentas. Cornetas e metal em colisão amparam “I love a snot”, dança de marionetas, “Metal Machine Music” da idade das bonecas.
Ao longo desta noite sem estrelas, desfilam as memórias. Algumas já desbotadas. Os motivos de desgosto tanto podem vir de receber pelo correio um catálogo de “lingerie” (”Victoria’s secret”, a pop que vicia) como do confronto de personalidades que lutam em “Lovesick” e confundem em “I love a snot” – “amo um ranhoso”, o substantivo “snot” (“ranho”) parece ter dado azo, na editora, a equívocos engraçados… Lisa, bem entendido, não facilita. “Odeio-te porque te amo, amo-te porque me odeio” e “Gostei de ti quando me magoavas” (de “Forget it, it’s a mystery”) não fazem, com toda a certeza, parte do vocabulário amoroso da dona-de-casa vulgar. O tom autobiográfico e intimista destes excertos encontra um escape na inclusão de três interlúdios, onde o desempenho “vocal” foi entregue aos dois gatos da cantora, Dorothy e Miamo-Tutti.
“Excerpts from a Love Circus” é um lamento e um lugar de perdição, em cujo centro, o quarto sem janelas de “Forget it, it’s a mystery”, a voz não encontra nenhum eco e se expõe a decomposição dos sentimentos.

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