Pop Rock
18 de Setembro de 1996
VÁRIOS ARTISTAS
Eyesore: A Stab at the Residents (7)
Vaccination, import. SYMBIOSE
Há mais de 20 anos que os Residents permanecem incógnitos. À proximidade do milénio, estão mais activos e subversivos do que nunca. Três dezenas de nomes, quase todos desconhecidos, responderam ao pedido da editora Vaccination e apresentaram as suas versões pessoais de temas destes anjos do bizarro, como lhes chamaria Edgar Allan Poe. É a homenagem “oficial”, de genérico “Eyesore: A Stab at the Residents”. Um objecto tão absurdo como fascinante.
Homenagem aos Residents? Estão a brincar! Será a reacção mais provável a este “digipak” com cores de cadáver e de sangue que a Vaccination Records, uma pequena editora californiana vocacionada para a ruína, acabou de lançar no mercado. As bandas e os nomes avulsos de “Eyesore” foram convidadas, de acordo com aquela companhia, através de métodos como a “persuasão”, a “tramóia” e a “boa vontade”. Os que responderam à chamada fizeram-no por puro amadorismo (“por amor à música dos Residents”), não recebendo quaisquer lucros em troca, nalguns casos financiando eles próprios as gravações. Alguns declinaram a oferta, por falta de fundos. Stan Ridgway, o ex-Wall of Voodoo que encerra o compacto, usou como “tema” a gravação da sua voz, via telefone, a desculpar-se por não apresentar uma única nota de música, nem dele nem dos “fabulous four” (perdoem o sacrilégio…) com cabeça em forma de globo ocular. Há ainda um “bonus track” secreto. Tudo com o selo “Residents approved” e o conveniente tom de conspiração.
A lista das bandas e solistas participantes é como segue: Only a Mother, Idiot Flesh, Heavy Vegetable, Frank Pahl, Thinking Fellers Union Local 282, Borgia Popes, Ubzub, Mooseheart Faith, Spatter Trio, Amy Denio, U-Totem, Greg Roe, Giant Ant Farm, Charming Hostess, Richie West & Bomb Factory, Silica Gel, Mommyheads, Supercollider, Snakefinger, Fibulator, Dramagold, Shakin’ Ray Levis, Poxy Boggards, Big Butter, Cracker, Pink Floyd the Barber, Non Credo, Lungpigs, Eskimo, Primus e o já citado Stan Ridgway. Alguns parecem invenção mas não são.
Deste rol de inanidades, conhecemos os U-Totem, de James Grigsby, banda conotada com o som Recommended, e os Negativland, os (segundo cremos) suiços Non Credo, outra banda da estética Recommended, Snakefinger (guitarrista que, durante anos, participou nos álbuns dos Residents, entretanto falecido), os Cracker e Amy Denio, “performer” habitual da Knitting Factory que já actuou entre nós. Os Idiot Flesh e os Giant Ant Farm já têm álbuns da Vaccination. Outras bandas estão em agenda para gravar. A grande maioria, porém, compõe uma grande incógnita, embora alguns disponham já de endereços próprios na Internet. Todos os temas estão interligados, formando uma longa peça sonora, de maneira idêntica à dos primeiros álbuns conceptuais dos homenageados, como “The Third Reich ‘n’ Roll”, “Not Available” ou “Eskimo”. Os álbuns repescados em “Eyesore” abrangem um período temporal que vai do EP de estreia, de 1972, “Santa dog”, ao álbum do ano passado, “The Gingerbread Man”. No total, 76 minutos de incongruência, caos, loucura, paródia, devoção, paranóia e algum humor, numa parada de “freaks” desejosos de agradar aos progenitores.
Os sons e os ruídos, os decalques e as variações, a acumulação de citações e desvios, a estranheza pela estranheza ou a assunção séria da diferença que se derramam em “Eyesore” fazem deste produto – que seria perturbante se a ânsia de esquisitice não fosse, em muitos casos, gratuita – algo de impenetrável, quase anedótico. A estética das várias bandas confunde-se e contagia-se mutuamente, a alucinação acústica esbarra na derivação electrónica mais esotérica, as vocalizações tanto seguem as estratégias fonéticas que, segundo os Residents, lhes teriam sido ensinadas por uma misteriosa personagem de nome N. Senada, como inventam elas próprias novos e insanos vocabulários. Seria despropositado destacar temas, uma vez que o princípio da identificação não funciona aqui. As bandas, mesmo aquelas cuja discografia é do nosso conhecimento, fazem questão em soar como se fossem outras, esmagadas pela sombra imensa que sobre elas paira.
Seria o equivalente à (des)montagem sistemática de canções dos anos 60, de êxitos dos Beatles, Roilling Stones e Beach Boys, empreendida em “The Third Reich ‘n’ Roll” se não pecasse pela ausência de um objectivo preciso e perverso como era o dos Residents nesse álbum, primeiro de uma longa série (que hoje inclui outros formatos como o vídeo e o jogo em CD-ROM), de destruição, inversão e contágio da música popular deste século.
Os Residents sabem – e os participantes de “Eyesore” não – que não se destrói um organismo com o poder do rock, à martelada, a tiros ou à bomba, como fizeram, por exemplo, e com idêntico projecto, os Einstuerzende Neubauten, mas de outra forma, mais subtil, operando por dentro uma mutação genética. “Eyesore” é um “cartoon”, banda desenhada convulsa mas pueril de uma operação de maior gravidade. Um ovo de pequenas criaturas parasitas posto, mas não chocado, pela besta-mor.
P.S. – Na capa de “Eyesore”, um tal Penn Jilette conta uma história. Amigos de longa data dos Residents, conhece o nome dos seus músicos, o tal segredo mantido inviolável há mais de duas décadas. Durante um concerto de estádio dos Talking Heads, no Texas, um par de jovens à sua frente suspira. O seu maior desejo, dizem, é conhecer os nomes, os tais nomes… Penn Jilette, atrás deles, grita e pronuncia claramente os nomes e apelidos de cada um dos Residents. Os jovens ouvem o som mas não prestam atenção. A decifração do segredo passa-lhes ao lado. Há uma moral qualquer a extrair deste episódio.
18 de Setembro de 1996
VÁRIOS ARTISTAS
Eyesore: A Stab at the Residents (7)
Vaccination, import. SYMBIOSE
Há mais de 20 anos que os Residents permanecem incógnitos. À proximidade do milénio, estão mais activos e subversivos do que nunca. Três dezenas de nomes, quase todos desconhecidos, responderam ao pedido da editora Vaccination e apresentaram as suas versões pessoais de temas destes anjos do bizarro, como lhes chamaria Edgar Allan Poe. É a homenagem “oficial”, de genérico “Eyesore: A Stab at the Residents”. Um objecto tão absurdo como fascinante.
Homenagem aos Residents? Estão a brincar! Será a reacção mais provável a este “digipak” com cores de cadáver e de sangue que a Vaccination Records, uma pequena editora californiana vocacionada para a ruína, acabou de lançar no mercado. As bandas e os nomes avulsos de “Eyesore” foram convidadas, de acordo com aquela companhia, através de métodos como a “persuasão”, a “tramóia” e a “boa vontade”. Os que responderam à chamada fizeram-no por puro amadorismo (“por amor à música dos Residents”), não recebendo quaisquer lucros em troca, nalguns casos financiando eles próprios as gravações. Alguns declinaram a oferta, por falta de fundos. Stan Ridgway, o ex-Wall of Voodoo que encerra o compacto, usou como “tema” a gravação da sua voz, via telefone, a desculpar-se por não apresentar uma única nota de música, nem dele nem dos “fabulous four” (perdoem o sacrilégio…) com cabeça em forma de globo ocular. Há ainda um “bonus track” secreto. Tudo com o selo “Residents approved” e o conveniente tom de conspiração.
A lista das bandas e solistas participantes é como segue: Only a Mother, Idiot Flesh, Heavy Vegetable, Frank Pahl, Thinking Fellers Union Local 282, Borgia Popes, Ubzub, Mooseheart Faith, Spatter Trio, Amy Denio, U-Totem, Greg Roe, Giant Ant Farm, Charming Hostess, Richie West & Bomb Factory, Silica Gel, Mommyheads, Supercollider, Snakefinger, Fibulator, Dramagold, Shakin’ Ray Levis, Poxy Boggards, Big Butter, Cracker, Pink Floyd the Barber, Non Credo, Lungpigs, Eskimo, Primus e o já citado Stan Ridgway. Alguns parecem invenção mas não são.
Deste rol de inanidades, conhecemos os U-Totem, de James Grigsby, banda conotada com o som Recommended, e os Negativland, os (segundo cremos) suiços Non Credo, outra banda da estética Recommended, Snakefinger (guitarrista que, durante anos, participou nos álbuns dos Residents, entretanto falecido), os Cracker e Amy Denio, “performer” habitual da Knitting Factory que já actuou entre nós. Os Idiot Flesh e os Giant Ant Farm já têm álbuns da Vaccination. Outras bandas estão em agenda para gravar. A grande maioria, porém, compõe uma grande incógnita, embora alguns disponham já de endereços próprios na Internet. Todos os temas estão interligados, formando uma longa peça sonora, de maneira idêntica à dos primeiros álbuns conceptuais dos homenageados, como “The Third Reich ‘n’ Roll”, “Not Available” ou “Eskimo”. Os álbuns repescados em “Eyesore” abrangem um período temporal que vai do EP de estreia, de 1972, “Santa dog”, ao álbum do ano passado, “The Gingerbread Man”. No total, 76 minutos de incongruência, caos, loucura, paródia, devoção, paranóia e algum humor, numa parada de “freaks” desejosos de agradar aos progenitores.
Os sons e os ruídos, os decalques e as variações, a acumulação de citações e desvios, a estranheza pela estranheza ou a assunção séria da diferença que se derramam em “Eyesore” fazem deste produto – que seria perturbante se a ânsia de esquisitice não fosse, em muitos casos, gratuita – algo de impenetrável, quase anedótico. A estética das várias bandas confunde-se e contagia-se mutuamente, a alucinação acústica esbarra na derivação electrónica mais esotérica, as vocalizações tanto seguem as estratégias fonéticas que, segundo os Residents, lhes teriam sido ensinadas por uma misteriosa personagem de nome N. Senada, como inventam elas próprias novos e insanos vocabulários. Seria despropositado destacar temas, uma vez que o princípio da identificação não funciona aqui. As bandas, mesmo aquelas cuja discografia é do nosso conhecimento, fazem questão em soar como se fossem outras, esmagadas pela sombra imensa que sobre elas paira.
Seria o equivalente à (des)montagem sistemática de canções dos anos 60, de êxitos dos Beatles, Roilling Stones e Beach Boys, empreendida em “The Third Reich ‘n’ Roll” se não pecasse pela ausência de um objectivo preciso e perverso como era o dos Residents nesse álbum, primeiro de uma longa série (que hoje inclui outros formatos como o vídeo e o jogo em CD-ROM), de destruição, inversão e contágio da música popular deste século.
Os Residents sabem – e os participantes de “Eyesore” não – que não se destrói um organismo com o poder do rock, à martelada, a tiros ou à bomba, como fizeram, por exemplo, e com idêntico projecto, os Einstuerzende Neubauten, mas de outra forma, mais subtil, operando por dentro uma mutação genética. “Eyesore” é um “cartoon”, banda desenhada convulsa mas pueril de uma operação de maior gravidade. Um ovo de pequenas criaturas parasitas posto, mas não chocado, pela besta-mor.
P.S. – Na capa de “Eyesore”, um tal Penn Jilette conta uma história. Amigos de longa data dos Residents, conhece o nome dos seus músicos, o tal segredo mantido inviolável há mais de duas décadas. Durante um concerto de estádio dos Talking Heads, no Texas, um par de jovens à sua frente suspira. O seu maior desejo, dizem, é conhecer os nomes, os tais nomes… Penn Jilette, atrás deles, grita e pronuncia claramente os nomes e apelidos de cada um dos Residents. Os jovens ouvem o som mas não prestam atenção. A decifração do segredo passa-lhes ao lado. Há uma moral qualquer a extrair deste episódio.
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