DOMINGO, 19
SETEMBRO 1999 cultura
Nils Petter Molvær no CCB, em Lisboa
DJazz
amordaçado
ESCANDALOSO?
Nem por isso. O peixe que o trompetista norueguês e a sua banda Khmer têm para
vender não tresanda, é um facto, mas também encontrou, na passada quinta-feira,
no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, um mercado recetivo
a um género musical que procura enviar o jazz para as pistas de discoteca. Só
que não é, de facto, nova a música dos Khmer. Poderá parecê-lo a um ou outro
purista. Mas esses ou não se manifestaram, ou não estiveram lá ou, afinal, até
gostaram. Para os frequentadores da parte mais recuada da “vanguarda” – e
muitos se espalharam pelas filas do auditório – porém, foi “piece of cake”.
Adoraram.
Começou morno o desempenho dos
Khmer. Ao estilo de uma banda de jazz rock europeu dos anos 70, como os
Passport, por exemplo. Antes, porém, chegaram a sentir-se alguns calafrios,
provocados por uma introdução eletrónica elaborada pelo dj de serviço, Strangefruit.
Uma descarga ameaçadora de “noise” e pulsações digitais que prometia escurecer
a noite mas estancou logo de seguida, mal os restantes elementos do grupo se
lhe juntaram em palco, transformando-se num previsível groove de hip-hop. Isto
porque se DJ Strangefruit funciona como esteio do corte do jazz com o passado,
o que tanto irritou algumas franjas da ECM à data do lançamento do disco nesta
editora, há dois anos, também é a âncora que impede a música de se reinventar
fora das margens, demasiado estereotipadas, do hip-hop, do drum ‘n’ bass e da
house. Djazz amordaçado pelo furor de querer aspirar tudo em seu redor.
Enquanto solista, Nils Petter Molvær
mostrou que não estava a fazer bluff ao afirmar ao PÚBLICO o seu parentesco
estilístico com outros dois trompetistas, Toshinori Kondo (quando soou mais
metalizado) e Jon Hassell (quando fez passar o ar e surdinas que evocaram a
selva urbana de um álbum como “City: Works of Fiction”.
O tribalismo dos Can, os degelos de
Terje Rypdal impressos no discurso solístico do guitarrista Eivind Aarseth,
intromissões de vozes sampladas e etnotecno assimilado de Jah Wobble e Holger
Czukay, revelaram-se outros dos referentes da fusão, sem dúvida bem
estruturada.
O final, poderosíssimo, desatou o
novelo: uma longa sequência de tecnopunk foi o desfecho infernal de uma noite
marcada ainda pelo excecional trabalho, nas luzes, de Tord Knudsen. Agora
escândalo, escândalo, esteve longe de o ser…
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