SEGUNDA-FEIRA,
13 SETEMBRO 1999 cultura
Gheorghe Zamfir em Montemor-o-Novo
Música
para piqueniques
BONITA,
PLENA de serenidade e inflexões clássicas, a música do flautista de Pã romeno
Gheorghe Zamfir é ideal para acompanhamento de chás-canastas, ver cair a chuva
ou fazer festas ao gato, funcionando particularmente bem em piqueninques,
sobretudo quando incluem o desaparecimento de adolescentes sonhadoras de um
colégio interno na época vitoriana durante um passeio por rochedos sagrados da
Austrália no dia dos namorados (como acontece no filme “Piquenique em Hanging
Rock”, de Peter Weir).
Não funcionou tão bem no Teatro
Curvo Semedo, em Montemor-o-Novo, no espetáculo aí realizado, quinta-feira
passada, no âmbito do festival Sete Sóis Sete Luas, e cuja receita reverteu, na
totalidade, a favor das vítimas de Timor-Leste: Zamfir pôs meio mundo a dormir.
Conotado com uma certa “new age” de
sabor passadista, a música de Zamfir já se faz ouvir desde os anos 70,
constituindo uma variante pintalgada de algum folclore e, por vezes, com sabor
a mistério (como na banda sonora do filme de Peter Weir) do romantismo
pindérico de Richard Cleyderman. Álbuns como “Classics by Candlelight”,
“Fantasy”, “Harmony” ou “A Return to Romance” reforçam esta aura piegas de um
músico que, todavia, tem fama de ser um excecional executante do instrumento
que escolheu, a flauta de Pã (para os menos conhecedores: flauta de origem
grega formada por uma, ou mais, fileiras de tubos de madeira afinados em
diversas escalas, que as pessoas estão habituadas a ver nas lojecas de
artesanato hippie).
O reconhecido virtuosismo de Zamfir não
foi, no entanto, suficiente para atrair ao Cine-Teatro Curvo Semedo uma mole
entusiasmada de adeptos. Longe disso. Foram poucos os que aguentaram, sem
adormecer ou optar por uma retirada estratégica da sala, a hora e meia de
melodias dulcíssimas, com acompanhamento do piano, que o flautista romeno
ofereceu com um empenhamento e – reconheça-se – uma entrega sem limites.
Nos derradeiros temas (“Oltera”,
“Sirba Romanilor” e “Danses de la forêt”), Zamfir perdeu mesmo a compostura,
requebrando-se em palco numa relação apaixonada com as suas flautas de Pã na
razão inversa do estado de acabrunhamento em que caíra o pouco público ainda
presente.
Gheorghe Zamfir é um músico
importante, provam-nos os 50 milhões de discos vendidos em todo o mundo e
trabalhos discográficos sérios como os que gravou com o organista francês
Marcel Cellier. E a sua música possui, sem dúvida, um poder encantatório
(devido tanto ao talento do intérprete como às afinações especiais que Zamfir
confere às flautas que ele mesmo constrói) que funciona às mil maravilhas
enquanto pano de fundo de atividades como as enunciadas no início deste texto.
Em “Piquenique em Hanging Rock” é mesmo parte indissociável do ambiente geral
de mistério que caracteriza o filme. Mas em auditório o efeito capaz de fazer
sonhar acordado transforma-se em sonolência, acabando quase sempre por se
remeter à prateleira da chamada “música de elevador”.
Da passagem por Gheorghe Zamfir por
uma cálida noite de Verão alentejana ficará a lembrança de uma figura simpática
descolada dos tempos modernos e o som de ventos antiquíssimos da flauta de Pã.
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