SÁBADO, 30 OUTUBRO 1999 cultura
Tone
Rec no segundo dia do Festival Reset, no Bairro Alto, em Lisboa
Electromagnetes
“When airwaves swing, distant voices sing” cantavam os
Kraftwerk em 1975 no álbum “Radio-Activity”. Já não. Os franceses Tone Rec apropriaram-se das ondas
do éter e envenenaram-nas com frequências residuais e estalos de
eletroestática. Um assalto aos neurónios, esta noite, em Lisboa, na segunda
jornada do festival Reset. Vai haver estragos!
Claude Pailliot,
um dos elementos do grupo francês de música eletrônica Tone Rec – que atua esta
noite no edifício de “A Capital”, ao Bairro Alto, em Lisboa –, explicou ao
PÚBLICO que o grupo não pretende magoar os seus ouvintes mas tão-só estimular
neles uma “escuta criativa”. Nos três álbuns que gravaram até à data, “Tone
Rec”, “Pholcus” e o novo “Coucy-Pack”, atingiram plenamente esse objetivo. Até
ao exagero: os neurónios ficam num estertor, o sistema nervoso num desalinho.
Ao lado destes quatro electromagnetos das ondas hertzianas vão estar os alemães
Komet e os portugueses NRV.
PÚBLICO
– Os Tone Rec provêm de uma eventual cena pós-rock francesa?
CLAUDE PAILLIOT – A cena pós-rock
nunca existiu em França. E nunca nos sentimos próximos, nem dessa etiqueta nem
dos músicos que dela se reclamam...
P.
– São misteriosos: entrevistas raras, discos sem informação...
R. – É que, até há pouco tempo,
ninguém nos queria entrevistar! Mas é verdade que procurámos evitar dar um
aspeto egocêntrico às nossas produções. Não sentimos necessidade de reivindicar
individualmente as nossas participações.
P. –
Identificam-se com alguma das escolas eletrónicas francesas dos anos 70
(Heldon, Pole, “live electronic” ligadas ao IRCAM), 80 e 90 (Chion, Zanési,
Teruggi, etc.)?
R. – O único ponto em comum que
temos é o tratamento dos sons acústicos. Sentimo-nos mais influenciados por
certas músicas populares. Sim, é difícil identificarmo-nos com esse tipo de
movimentos “eruditos” que depois acabam por se tornar institucionais.
P. – O
grupo tem prazer em magoar os auditores? Por vezes soam como uma broca de
dentista...
R. – Longe de nós tal intenção! O
que procuramos é suscitar uma escuta ativa segundo métodos que utilizam certas
disfunções digitais que nos afetam de forma particular: saturação, parasitagem,
contraste entre altas e baixas frequências, erro estereofónico e volumétrico...
Estes diferentes elementos são a seguir injetados no seio de estruturas
rítmicas e/ou melódicas.
P. –
Existe na música dos Tone Rec algo que sugere contaminação. Usam a tecnologia
digital como um instrumento cirúrgico infetado?
R. – Há múltiplas potencialidades no
meio informático que se ajustam aos nossos processos. É um vasto campo...
P. – Que
processos? Partilham o conceito de estúdio-instrumento, como o Kling-Klang [o
estúdio] dos Kraftwerk?
R. – A pós-produção é muito
importante nas nossas composições, o próprio material e tecnologias de gravação
fazem parte do nosso instrumentário. Cada um trabalha com diferentes elementos
sonoros que depois são processados por um computador central. Todo o conjunto
de atividades ligadas a este processo se desenrola na nossa sala de estar onde
estão apenas alguns PC comprados em saldo e duas mini mesas de mistura...
P. – A
expressão “música residual” aplica-se aos Tone Rec?
R. – Gostamos que os “loops” se
arrastem até ficarem dessincronizados, com o objetivo de criar micro-rítmicas
inesperadas. Exploramos também as saturações e as altas frequências “residuais”
reveladas através da técnica de “cut & paste” (como no Word). Isso traz-nos
problemas, sobretudo nas prensagens em vinilo. As estruturas rítmicas podem
sugerir estilos populares como a tecno, house ou hip-hop a um nível que
ultrapassa a caricatura.
P. –
Teorizam sobre a música que fazem?
R. – Não fazemos qualquer abordagem
teórica ao nosso trabalho. Limitamo-nos, humildemente, a criar a nossa própria
“cut-&-paste-human-random-musique”.
TONE REC, KOMET, NRV
Lisboa,
Edifício da Capital (ao Bairro Alto), 22h30
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