SEXTA-FEIRA, 30
JULHO 1999 cultura
Ensemble
JER na Sé de Lisboa
Missa com
soldadinhos de plástico
O
ENSEMBLE JER interpreta esta noite na Sé de Lisboa, pelas 22h, a "Missa do
Homem Armado", de Guillaume Dufay, um compositor franco-flamengo do século
XV. Dufay foi pioneiro no uso das canções populares em missas de Cantus Firmus,
em que a mesma melodia servia de base à totalidade da peça. O concerto é o
último desta temporada organizado pela Galeria Zé dos Bois. Um óptimo recital
de música antiga em perspectiva num recinto a condizer.
Contudo, para os mais académicos, um
aviso: é possível que se sintam chocados com a demonstração de originalidade e
criatividade do universo musical que, desde 1990, ano da sua fundação, JER e o
seu grupo de músicos/performers percorrem. Porque um concerto do Ensemble JER
constitui inevitavelmente um manifesto de humor - no sentido mais elevado do
termo, de completa transfiguração do mundo - em forma de espetáculo e
vice-versa. Jogo ambíguo que espanta, choca e atrai. Por isso convirá responder
a algumas perguntas prévias.
O que é um saxofone JER? Quem é
Wagner-JER? O que é, e para que serve, o Ensemble JER? É preciso Jer para crer.
JER é José Eduardo Rocha, compositor, arranjador, ideólogo, frequentador
assíduo das lojas de brinquedos e mentor do Ensemble com o seu nome, o Ensemble
JER, também designado por Os Plásticos de Lisboa.
O Ensemble JER foi incumbido de uma
missão (para mais pormenores consultar o endereço http.//www.ip.pt/~ip267096/home.htm).
É um "grupo de artistas-músicos especialmente formado para interpretar um
reportório criado e dirigido por José Eduardo Rocha e destinado a uma
organologia especial que inclui instrumentos de plástico, brinquedos musicais,
percussões e outros". Ao vivo, os elementos do grupo tanto podem aparecer
vestidos como os antigos soldados romanos, como envergar mini-fraques vermelhos
ou camisolas às riscas no estilo Freddy Kruger.
Um saxofone JER, percebe-se agora, é
um instrumento de plástico, da marca Chicco ou Antonelli, mas nem por isso
menos nobre que um reluzente Selmer submetido a banho de prata. Quanto a
Wagner-JER é "Volkswagner", clone de plástico de "Os Mestres
Cantores de Nuremberga", obra do genial compositor romântico Richard Wagner,
cuja versão-JER teve a sua estreia mundial em 1996 no Teatro Maria Matos. Entre
as composições originais de JER incluem-se "Futebol", "Sinfonia
Náutica" e "Piccola Sinfonia Pimba".
Esta noite será apresentada a missa
"L'Homme Armé", de Guillaume Dufay, compositor da Renascença cuja
importância iguala a de Josquin des Prés ou Palestrina. "L?Homme
Armé", canção muito em voga durante a Guerra dos 100 anos, com a Europa
pejada de soldados, serviu de "cantus firmus" a uma série de missas
que a tomaram como fonte de inspiração. Dufay foi um dos primeiros a fazê-lo.
Composta em 1450, a "Missa do
Homem Armado" de Dufay está subdividida em cinco movimentos:
"Kyrie", "Gloria", "Credo", "Sanctus" e
"Agnus Dei". José Eduardo Rocha, o seu ensemble (Francisco Suspiro,
Nuno Silva, José Lopes, Alexandre Pedro, Leonor Areal e Armando Pereira) e a
cantora soprano convidada, Margarida Marecos, encarregar-se-ão de extrair dela
o supra-sumo da espiritualidade, através do plástico, material sagrado por
excelência.
Na primeira parte será apresentada
uma "Suite Transmontana", composta por JER no ano passado. Ciclo de
sete danças/"quadros que evocam uma viagem fabulosa", inspirada numa
estadia de José Eduardo Rocha em Trás-os-Montes. "O castelo de Celorico",
"O auroque de Foz Côa", "Rio de Onor", "A barragem da
Serra Serrada" ou "A anta de Zedes" são alguns dos andamentos
desta "suite" comprovativa de que a própria Natureza não seria tão
bela sem a presença do plástico.
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