02/01/2017

Missa com soldadinhos de plástico [Ensemble JER]

SEXTA-FEIRA, 30 JULHO 1999 cultura

Ensemble JER na Sé de Lisboa

Missa com soldadinhos de plástico

O ENSEMBLE JER interpreta esta noite na Sé de Lisboa, pelas 22h, a "Missa do Homem Armado", de Guillaume Dufay, um compositor franco-flamengo do século XV. Dufay foi pioneiro no uso das canções populares em missas de Cantus Firmus, em que a mesma melodia servia de base à totalidade da peça. O concerto é o último desta temporada organizado pela Galeria Zé dos Bois. Um óptimo recital de música antiga em perspectiva num recinto a condizer.
            Contudo, para os mais académicos, um aviso: é possível que se sintam chocados com a demonstração de originalidade e criatividade do universo musical que, desde 1990, ano da sua fundação, JER e o seu grupo de músicos/performers percorrem. Porque um concerto do Ensemble JER constitui inevitavelmente um manifesto de humor - no sentido mais elevado do termo, de completa transfiguração do mundo - em forma de espetáculo e vice-versa. Jogo ambíguo que espanta, choca e atrai. Por isso convirá responder a algumas perguntas prévias.
            O que é um saxofone JER? Quem é Wagner-JER? O que é, e para que serve, o Ensemble JER? É preciso Jer para crer. JER é José Eduardo Rocha, compositor, arranjador, ideólogo, frequentador assíduo das lojas de brinquedos e mentor do Ensemble com o seu nome, o Ensemble JER, também designado por Os Plásticos de Lisboa.
            O Ensemble JER foi incumbido de uma missão (para mais pormenores consultar o endereço http.//www.ip.pt/~ip267096/home.htm). É um "grupo de artistas-músicos especialmente formado para interpretar um reportório criado e dirigido por José Eduardo Rocha e destinado a uma organologia especial que inclui instrumentos de plástico, brinquedos musicais, percussões e outros". Ao vivo, os elementos do grupo tanto podem aparecer vestidos como os antigos soldados romanos, como envergar mini-fraques vermelhos ou camisolas às riscas no estilo Freddy Kruger.
            Um saxofone JER, percebe-se agora, é um instrumento de plástico, da marca Chicco ou Antonelli, mas nem por isso menos nobre que um reluzente Selmer submetido a banho de prata. Quanto a Wagner-JER é "Volkswagner", clone de plástico de "Os Mestres Cantores de Nuremberga", obra do genial compositor romântico Richard Wagner, cuja versão-JER teve a sua estreia mundial em 1996 no Teatro Maria Matos. Entre as composições originais de JER incluem-se "Futebol", "Sinfonia Náutica" e "Piccola Sinfonia Pimba".
            Esta noite será apresentada a missa "L'Homme Armé", de Guillaume Dufay, compositor da Renascença cuja importância iguala a de Josquin des Prés ou Palestrina. "L?Homme Armé", canção muito em voga durante a Guerra dos 100 anos, com a Europa pejada de soldados, serviu de "cantus firmus" a uma série de missas que a tomaram como fonte de inspiração. Dufay foi um dos primeiros a fazê-lo.
            Composta em 1450, a "Missa do Homem Armado" de Dufay está subdividida em cinco movimentos: "Kyrie", "Gloria", "Credo", "Sanctus" e "Agnus Dei". José Eduardo Rocha, o seu ensemble (Francisco Suspiro, Nuno Silva, José Lopes, Alexandre Pedro, Leonor Areal e Armando Pereira) e a cantora soprano convidada, Margarida Marecos, encarregar-se-ão de extrair dela o supra-sumo da espiritualidade, através do plástico, material sagrado por excelência.
            Na primeira parte será apresentada uma "Suite Transmontana", composta por JER no ano passado. Ciclo de sete danças/"quadros que evocam uma viagem fabulosa", inspirada numa estadia de José Eduardo Rocha em Trás-os-Montes. "O castelo de Celorico", "O auroque de Foz Côa", "Rio de Onor", "A barragem da Serra Serrada" ou "A anta de Zedes" são alguns dos andamentos desta "suite" comprovativa de que a própria Natureza não seria tão bela sem a presença do plástico.

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