SÁBADO, 6 NOVEMBRO 1999 cultura
Cesária
Évora apresentou “Café Atlântico” em Portugal
Se isto não é gostar...
Foi uma Cesária
sem mácula a que ontem subiu ao palco do Coliseu dos Recreios em Lisboa. Raras
vezes a voz de Cize soou tão terna e com tanta clareza como naquela que terá
sido uma das melhores atuações da diva em Portugal. Um grupo de acompanhantes à
altura, a par da qualidade do som e das luzes, transformaram a apresentação de
"Café Atlântico" numa noite inolvidável.
A voz de Cesária
é como o som das ondas do mar. Vem de longe e não descansa até ser deposta,
como um beijo, sobre a praia, transportando consigo os segredos das ilhas e a
mensagem das águas. Chamam saudade a esse caminho que anula margens e
distância. "Só os portugueses é que não gostam muito de mim, pois
não?" perguntara Cesária na conferência de imprensa realizada na véspera,
numa alusão à fraca recetividade que, na altura, estes concertos estavam a ter
(Cesária voltou a actuar ontem em Lisboa e estará esta noite, às 22h, no
Coliseu do Porto).
É certo que o Coliseu dos Recreios,
em Lisboa, não encheu na primeira noite (quinta-feira) para a receber mas a
verdade é que todos se renderam à voz e ao sentimento que dela se desprende. No
final o público inteiro aplaudiu de pé não parando de gritar "Cesária!
Cesária! Cesária!". Se isto não é gostar então o amor não existe.
Antes de Cesária, e porque a noite
era de um Atlântico estendido para Oeste até um café de Cuba, atuou o grupo
cubano da cantora Leyanis Lopez, com o álbum "La Mariposa" na
bagagem. Leyanez deslumbrou sobretudo pelo belíssimo vestido em tons de
azul-turquesa e pelo modo sensual como meneou a voz e as ancas, o mesmo não se
podendo dizer do grupo que a acompanhou, firmemente arreigado a um reportório
clássico composto por baladas que não destoariam num salão de baile.
A seguir ao intervalo – que serviu a
muita gente para se inteirar do resultado do jogo do Benfica – o Mindelo ocupou
a sala com memórias e a promessa de momentos que não se irão esquecer. Era
ainda apenas a banda, sem Cesária, a introduzir as notas instrumentais de uma
viagem de múltiplas etapas pelo arquipélago de Cabo Verde. O público já tinha
saudades de Cesária e a "diva dos pés descalços" correspondeu,
arrancando com "Sodade", um dos seus temas mais conhecidos, para uma
atuação onde não se descortinaram falhas.
Dos efeitos de luz à nitidez e
detalhe do som, do talento dos instrumentistas – com destaque para o piano de
Fernando Andrade, os solos de saxofone de António Fernandes e o violino do
músico cubano Julian Subida – tudo se conjugou para emprestar à voz de Cesária
ainda maior brilho.
Cize não se fez rogada. Cantou como
uma deusa mulata, com uma ternura e uma precisão de timbres exaltantes, a
figura estática e o sorriso parado, esfinge através da qual fluiu uma torrente
de emoções. Nas mornas e nas coladeras, em clássicos como "Sangue de
beirona" (mais acelerado do que é costume) "Angola", "Mar
azul" e "Miss perfumado", mas também na exuberância e nos
festejos do funaná, em "Carnaval de São Vicente" e "Nho Antone
escaderote", com que fechou o concerto, dois dos temas pertencentes ao
novo álbum de Cesária, "Café Atlântico", do qual a cantora cantou
também "Flor di nha esperança", "Vaquinha mansa",
"Amor di mundo", "Perseguida", "Terezinha",
"Cabo Verde manda mantenha", "Sorte" e "Nho Antone
escaderote". O alinhamento incluiu ainda "Cabo Verde terra
estimada", "Luiza" e um segundo instrumental que Cesária
aproveitou para o já habitual momento de pausa – "cantar também
cansa!" – sentando-se, também como de costume, diante de uma pequena mesa
instalada no palco.
Cada balanço da alma, cada inflexão
da voz, cada pormenor instrumental foram absorvidos com devoção por uma sala
que, impulsionada pela alegria do funaná, saltou como uma mola para aplaudir a
diva de pé. Cesária regressou para se despedir com "Besame mucho" e a
repetição de "Carnaval de São Vicente". Maré-cheia. O café fechou.
Sodade.
CESÁRIA ÉVORA
PORTO
Coliseu, às 22h
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