CULTURA
SEXTA-FEIRA,
12 DEZEMBRO 2003
“A HISTÓRIA DOS
MADREDEUS É UMA LONGA CANÇÃO”
ENTREVISTA COM
PEDRO AYRES DE MAGALHÃES
Os Madredeus tocam
hoje na Feira, pondo termo em Portugal à digressão “Movimento” que nos últimos
três anos os levou a 25 países e a dar cerca de 150 concertos. Mas a missão,
garante Pedro Ayres de Magalhães, irá continuar.
Começou em Abril de 2001 no Porto e termina hoje a
digressão, em salas portuguesas, perto do local de origem, em Santa Maria da
Feira. Três anos na estrada durante os quais o álbum “Movimento”, último de
originais do grupo, foi ouvido nos quatro cantos do mundo. Só este ano, França,
Bélgica, Inglaterra, Alemanha, Macedónia, Cabo Verde, Itália, Espanha, Hungria,
Polónia, México e, claro, Portugal, renderam-se a uma música que já foi
catalogada de “popular portuguesa”, “world”, “clássica” ou “de câmara” mas que acima
de tudo é música portuguesa. Na perspetiva saudosista de “uma mulher que
espera”.
Apresentado
ora em quinteto ora, excecionalmente, com o acompanhamento da Flemish Radio Orchestra,
nos arranjos sinfónicos escritos pelo maestro Victorino d’Almeida, que ficaram
registados no álbum ao vivo, “Euforia”. Agora é tempo de descompressão mas também
de cuidar dos pormenores dos próximos discos, já agendados, um dos quais
dedicado à cidade de Lisboa. Pedro Ayres de Magalhães, guitarrista, autor das
letras e das músicas, cérebro e principal operário dos Madredeus, fez o balanço
e falou do futuro.
PÚBLICO – Ao longo da
digressão, mudou alguma coisa no espírito ou na forma dos Madredeus?
PEDRO AYRES DE MAGALHÃES – Continua a ser a
dramaturgia de uma mulher que está a espera. A dramaturgia da saudade. A voz e
a figura dela têm sido em grande parte responsáveis pela simpatia e pela
notoriedade que o grupo conquistou.
O facto das letras serem
cantadas em português não dificulta a recepção da vossa mensagem, no
estrangeiro?
A maioria das pessoas não compreende a mensagem, pelo
menos a verbal. Mesmo em Portugal, as pessoas não conhecem sequer dois terços
das canções. Ao vivo, com a confusão das luzes, o espetáculo, poucas seguirão o
texto… Mas no Japão, onde as pessoas têm um cérebro diferente, por causa da
linguagem que falam e por terem uma percepção analítica da linguagem e,
portanto, também da música, resolveram o problema pondo legendas de tradução
simultânea, como na ópera. Se virmos bem, a história do grupo é como um longa canção.
Uma canção que as pessoas vão descobrindo. Muita gente só descobriu os
Madredeus a partir de “O Paraíso” ou da canção do vídeo da Greenpeace
[“Anseio”, na versão de Craig Armstrong, incluída no álbum de remisturas
“Electrónico”] . Agora é mais fácil, basta ir ao “site”, madredeus.com.
Como surgiu a ideia de tocarem
com uma orquestra?
A ideia de tocarmos com a Orquestra Flamenga surgiu
durante a digressão “Movimento”. Por coincidência, a música do álbum já tinha
sido concebida com muito espaço instrumental. As próprias “masters” foram
gravadas em “overdubbings” sinfónicos, com outros instrumentos. Inclusive o disco
foi captado dois graus acima do diapasão porque é essa a afinação das
orquestras. Depois, não faz sentido amplificar um grupo acústico para plateias
de 30 mil pessoas. Sugeri, tanto à orquestra como ao arranjador, que não se tocasse
na estrutura das canções. Nos arranjos, o maestro Victorino d’Almeida optou por
seguir o modelo do “concerto grosso” italiano, que privilegia o diálogo entre
um grupo de solistas e a orquestra.
É verdade que entrou em
euforia, nessas ocasiões?
Sim. Sobretudo durante a gravação do primeiro
concerto. Mas foi barra pesada, fazer concertos com 70 músicos em palco.
Sobretudo a produção é proibitiva. No teatro de Brugges, na Bélgica, por sinal a
primeira sala estrangeira onde tocámos, com o estúdio montado lá fora, tudo
pronto para ser gravado e filmado – atenção – era bastante! À medida que via
cada uma das canções a sair bem, ia ficando aliviado e, a seguir ao alívio, alegre.
Nesse dia acabei o concerto realmente eufórico.
É um projeto para continuar?
Já mais orquestras nos convidaram. Mas a verdade é que
é uma coisa complicadíssima, já para não falar em que destruiria a fluência e a
organização das nossas vidas. Pusemo-nos essa questão mas não sei até que ponto
será plausível. Acho que não é. Manter sempre essa possibilidade em aberto. Se
o voltarmos a fazer vamos ter que partir de novo do zero. E contar com o apoio
de uma orquestra e de uma companhia de discos. Que não seja a nossa mas a
deles! (risos). Mas foi uma experiência incrível. Os músicos da orquestra, no
Porto, choraram. Eles, flamengos e valões, até ali viam aquilo apenas como um
reportório bizarro. Foi preciso chegarem a Portugal, ao Porto, para perceberem
que as canções, na língua estranha que a Teresa cantava, era a mesma língua de
um povo, com o público do Coliseu a cantar em uníssono o “Haja o que houver”. Ficaram
estarrecidos. A emoção de encontrarem um sentido coletivo naquele projeto
instrumental.
Houve quem dissesse que o universo
sinfónica não casava naturalmente com a música do grupo…
Esse universo, se quisermos, é nosso. Como em tudo na
vida. O grupo Madredeus é também uma escola de escrita de música e não apenas
uma escola de arranjos para um quinteto. Não somos um grupo que faz coleção de
música tradicional e depois inventa uns arranjos para teclados que têm muito sucesso.
Não, fomos aprendendo a escrever mais e melhor música. As canções que
escrevemos em língua portuguesa, um diadema de canto saudoso, podem efetivamente
ser visitadas e revisitadas por ensembles sinfónicos ou de percussões ou seja
do que for. É uma questão de fantasia e iniciativa, nada mais.
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