27/12/2019

Vários - Songs In The Key Of Z, Vol.2


Y 9|JANEIRO|2004
roteiro|discos

génios da twilight zone

VÁRIOS
Songs in the Key of Z, Vol.2
Gammon, distri. Ananana
10|10

“Songs in the key of Z, Vol.2”, compilado e produzido pelo mesmo Irwin Chusid que revelou ao mundo “Innocence and Despair”, do Langley Schools Music Project, é o equivalente musical de uma coleção de filmes de série Z. Falamos, é claro, de loucos, lunáticos e habitantes de outros planetas (“Plan 9 from Outer Space”?) que num ou outro momento iluminado das suas vidas (neste disco, regra geral nos anos 80 e 90) resolveram graver música.
            “The Curious Universe of Outsider Music”, pois é este o subtítulo, reúne delírios inclassificáveis (tanto quanto as respetivas biografias e fotos dos artistas) que apenas uma mente igualmente desfasada da normalidade conseguirá arrumar e descrever com algum método. Arrumemo-los então.
            Shooby Taylor começa por fazer um “scat” inenarrável, estilo “Hans Eisler em looney tune”, sobre fundo de órgão Farfisa. Já Bingo Gazingo & My Robot Friend opta em “You’re out of the computer” por oferecer uma extraordinária mistela de uma melodia pop arrancada ao cérebro de R. Stevie Moore com demência Pere Ubu e sinais de ZX Spectrum. Segue-se B.J. Snowdown numa não menos inolvidável recriação de “America”, digna de figurar num “sketch” da “Mad TV” como o de Will Sasso e Alex Bornstein no dueto de “Love of my life”… “You’re driving me mad”, de Alvin Dahn (já não faz música, mas tocava 50 instrumentos e estava “determinado a deixar uma marca indelével na indústria da música”, o que, a julgar pela amostra, manifestamente conseguiu). Guitarras elétricas, “heavy metal” e, de novo, mestre R. Stevie Moore, num tema poprock que faz o termo “alternativo” soar a “mainstream”. A congressista liberiana Malinda Jackson Parker mima Nina Simone por cima de um piano que ameaça rebentar, num manifesto contra a peste, escolhendo para título “Cousin mosquito # 2” (sim, existe uma primeira picadela incluída num “Songs in the Key of Z”, Vol.1” editado pela Cherry Red em 2000). A pop espacial – os Air (ou antes deles os Hot Butter) encontram os White Noise na Era de Aquário – chega ao planeta Terra via The Space Lady, numa versão cósmica de “I had too much to dream (last night)”, dos Electric Prunes. Luie Luie, “master musician”, apresenta (com introdução filosófica prévia) um instrumental executado em 14 trompetes, chamado “Touch of light”, extraído do álbum “Creator of Touchy” – imersão numa galáxia de vibrato estelar em ressaca de LSD. Há ainda o “dance hall jazz” de Eddie Murray, a “canção-poema”, com letra de Pablo Feliciano, “Five feet nine and a half inches tall”, de Dick Kent, ideal para animação de casamentos, e a “Hawaii country” com falta de voz de Gary Mullin, em “Recitation about Ray Acuff”.
            Wayne Pereira canta, de forma tocante, uma melodia de bêbedo vagabundo semelhante à que Gavin Bryars usou em “Jesus blood never failed me yet” e Bob Vido, “the one-man band”, gravou em 1975, “High-speed” – proeza circense em que não sabemos o que mais admirar, se a falta de proficiência com que Vido manuseia as cornetas, concertina e tambores, se a vocalização (?), onde não são percetíveis os mínimos resquícios de sensibilidade ou aptidão musicais. Thoth, pelo contrário, apesar de se vestir como um troglodita, é um “virtuose” do violino que em “The herma, scene 5: Recitation/Na” canta como... um theremin… ou uma variante histérica de Meredith Monk… num “puirt-a-beul” de esquizofrénico. “Avant-garde”, pois claro.
            E Tangela Tricoli, bebé a tentar cantar afinada? E Buddy Max (13 álbuns gravados por este entusiasta da polca)? E Mark Kennis, numa gravação caseira, onde canta e berra “a capella” a história da sua vida, repetindo incessantemente “I grew up in Iowa, in the heart of the heartland”?
            Todos os intervenientes nestas “canções de série Z” são estrelas que o mundo não conhece e, muito menos, compreende. Super homens e mulheres afetados pela Kryptonite. Artistas para quem a música é um conceito radicalmente pessoal e relativo. Ou, como disse Charles Ives: “Don’t pay attention to the sounds. If you do, you may miss the music. You won’t get a heroic ride to Heaven on pretty little sounds.” E na contracapa: “Se tudo o que conseguir ouvir são imperfeições é porque você está a ouvir mal”. Nota máxima, como divertimento... diferente.

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