27/12/2019

Música a metro [To Rococo Rot]


16|JANEIRO|2004 Y
to rococo rot|música

Os To Rococo Rot tocam hoje numa estação de metro de Lisboa. Linha: Berlim-Chiado. Música no espaço. Amanhã é no Porto. Para dançar.

Música a metro

            Com ou sem passe social, picando ou não bilhete, os berlinenses To Rococo Rot vão mesmo tocar hoje à noite na estação de metro da Baixa-Chiado, em Lisboa. Amanhã actuam na discoteca Indústria, no Porto. Música experimental, em Lisboa. Mais “clubbish”, para dançar, no Porto. O espectáculo de Lisboa insere-se na programação do projeto interdisciplinar “Em Trânsito”.
            Robert Lippok, guitarrista e manipulador de electrónica do grupo que este ano lançará o novo álbum “Hotel Morgen”, falou do fascínio dos To Rococo Rot (TRR) pela arquitectura. Dos sons e do espaço. Da sintonia com o krautrock dos Cluster. Da estrutura de uma música com a adrenalina da tecno, o gosto pela ornamentação barroca (rócócó?) e um sentido de “groove”, orgânico e hipnótico, como não houve outro depois dos Can. A prova teve-a já o público lisboeta quando da primeira actuação dos TRR, há quatro anos, no Festival Número, em Lisboa, durante a passagem arrasadora de “Cars”, tema incluído no álbum “The Amateur View”.
            Arrumados inicialmente no saco do pós-rock dos Tortoise, Trans AM, Kreidler, Jessamine ou Rome, a banda dos irmãos Lippok (Robert e Ronald) e Stefan Schneider gravou os álbuns “CD” (1996), “Veiculo” (1997), “TRRD” (1998, com Daryl Moore, director de uma loja de discos em Londres), “The Amateur View” (1999) e “Music is a Hungry Ghost” (2001, com o nova-iorquino I-Sound). Ainda o “side project”, eventualmente mais próximo do que se poderá ouvir hoje no túnel do Chiado, “Kolner Brett”, inspirado num edifício com o mesmo nome projectado pelos arquitectos B&K (Brandlhuber & Kniess), de Colónia. Cuidado com os fiscais.

Vão estudar o espaço em Lisboa, antes de tocar?
Já vimos fotos do aspecto do local e interpelámos a organização sobre a acústica. As estações de metro costumam ter uma acústica estranha…
Estão a preparar, em conformidade, uma música estranha?
Algumas coisas especiais… frequências específicas… E vamos trazer gravações de sons pré-gravados do metropolitano de Berlim.
Já têm experiência neste tipo de “happenings”. Antes dos TRR, fez parte, com o seu irmão, dos Ornament und Verbrechen.
Era um grupo aberto. Num dia podíamos ser só eu e o meu irmão e, na semana seguinte, dez pessoas. Usávamos saxofone, trompete, numa linha mais próxima do jazz, misturado com eletrónica. Eram os anos 80 e só mais tarde começámos a sentir a influência do tecno.
Vão dirigir aulas de arquitetura musical em Nuremberga. De que tipo?
Vamos fazer uma pequena viagem por Nuremberga, ver de que maneira a cidade soa, e convidar os estudantes para descreverem aquilo que ouvirem. Podem levar gravadores, tomar notas e fazer entrevistas sobre os sons.
Essa relação entre os sons e a arquitetura é fulcral na música dos TRR?
Sim. Já trabalhei como “stage designer” e sempre me interessei pelo espaço, pela sua medição, averiguar de que modo os seres humanos se comportam e se movem em determinados espaços. Ou por problemas práticos como melhorar o fluxo de circulação de pessoas nos espaços públicos.
Preferem actuar em locais desse tipo, ao invés de salas de concerto?
São duas perspectivas diferentes. Nos espaços alternativos podemos experimentar, a própria natureza dos espaços interage com a estrutura da música. Tocámos no Verão no jardim de uma galeria de arte. Horas e horas, tínhamos a sensação de que a música se desenvolvia por si própria.
A gravação de “Kolner Brett” concretizou esse conceito?
Foram os próprios arquitectos que nos pediram para criar uma banda sonora para a apresentação do edifício numa feira de arquitectura em França. Falámos longamente com eles, percorremos todo o edifício, voltámos a falar, até criarmos uma relação entre a música e a construção, através de pequenos módulos sonoros que elaborámos com base, nalguns casos, nos simples materiais, como o cimento. Tivemos cuidado com os mínimos detalhes. Cada tema do disco corresponde a uma parte do edifício [12 temas para as 12 divisões], destinado a ser ouvido pelas pessoas que vivem ou trabalham lá.
É autor de uma exposição com música e projecções. Sem recorrer a computadores, como fez questão de acentuar…
Tenho o computador sempre ligado em casa, mas não podemos encará-lo como algo mais do que um simples utensílio. Gosto de criar com ele realidades virtuais simples, para galerias de arte, por exemplo. Mas é tão fácil ser-se “moderno” com os computadores!... Por vezes prefiro ser antiquado e ter uma perspectiva mais vasta e não apenas dos últimos 30 anos
Também criaram música para uma exposição de produtos industriais para o Museu de Colónia. “Industrial” que, de resto, voltou a ser termo em voga nas actuais correntes musicais. O que nos leva aos primórdios do krautrock e aos Cluster como fonte inspiradora da vossa música…
Sim... Mas nesse caso o “industrial design” não correspondeu, de modo algum, a música industrial. O que tentámos foi trabalhar a partir de produtos com um som particular, como portas de carros ou latas de cerveja (a cerveja emite um som especial ao ser deitada no copo)… ou certos “chips” de televisão que emitem determinadas frequência e ressoam como o corpo de uma guitarra.
Quanto aos Cluster, durante algum tempo fartei-me de repetir que não, que nunca fomos influenciados por eles. A verdade, porém, é que quando ouvi “Zuckerzeit” pensei: “uau! É muito parecido com o que fazemos!”. A ligação existe, bem como com os Kraftwerk. Mas praticamente todos os novos grupos de electrónica foram influenciados pelos Kraftwerk! (risos).
E os Can. Quando ouvimos pela primeira vez os TRR tocar ao vivo em Lisboa o tema “Cars” tivemos a impressão de estarmos perante os novos Can, de tal forma o “groove” era orgânico e hipnótico. Não eram apenas máquinas, mas instrumentos reais tocados com sangue e suor. Podiam ter continuado a tocar esse tema durante horas que seria perfeito!
Nesse dia fartou-se de chover! (risos). Com efeito, a electrónica é apenas uma parte. Gostamos de criar um interface com instrumentos analógicos. Um exemplo: a maneira como o Ronald toca bateria ajusta-se ao “groove” da “drum machine”. Mas desta vez, em Lisboa, usaremos apenas electrónica. Não haverá nem sangue nem suor (risos). Nem “Cars”. Em Londres tocámos este tema durante muito, muito tempo. Muito mais do que em Lisboa. Foi aumentando de duração até termos de o encurtar de novo. Em Londres prolongou-se por 10 minutos…
No extremo oposto, convidaram um músico erudito como Alexander Balanescu para participar em “Music is a Hungry Ghost”.
Ele interessa-se pela música eletrónica, como o prova o álbum dos Balanescu Quartet a partir da música dos Kraftwerk. Convidou-nos para um festival de electrónica que ele próprio organizou. Cinco dias de música, das oito da manhã às onze da noite. Levantávamo-nos às sete para tocar às oito, na margem de um rio. Para os cães e para os pássaros, não havia mais ninguém…
As atuações em Lisboa e no Porto serão, obviamente, diferentes.
Sim, em Lisboa não poderemos usar a “bass drum”, vamos ter que adaptar o nosso “sound environment” ao metropolitano. No Porto seremos mais “groovy” e “clubbish”.
Irão apresentar material do novo álbum?
Boa pergunta. Ainda não preparámos nada… Talvez uma canção.
Para terminar, escolha uma opção dos seguintes pares: Cluster ou Throbbing Gristle?
Difícil…Mas…Throbbing Gristle. Deram um dos concertos mais impressionantes a que alguma vez assisti.
Laurie Anderson ou Lou Reed?
Laurie Anderson. “Big Science” é um dos melhores discos de todos os tempos.
Tecno ou “chill out”?
Tecno. Porque nos atinge em cheio, como algo físico.
Laptop ou sintetizador Moog?
Laptop. Detesto o Moog. Mas adoro o A.R.P.
Berlim ou Dusseldörf?
Berlim, sem dúvida. Em Dusseldörf não acontece nada, não há clubes…Mas têm bons restaurantes japoneses.
Madonna ou Britney Spears?
Madonna, evidentemente. Britney Spears é horrorosa. Se tivesse que escolher entre ela e o diabo, escolhia o diabo!

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