Y 25|FEVEREIRO|2005
roteiro|ao
vivo
a exploradora que às vezes viaja pelo fado
Chegou
a causar polémica a questão de se saber se Cristina Branco é fadista, cantora de
fado ou nem uma coisa nem outra mas simplesmente uma cantora que também gosta de
cantar fados. O imbróglio iniciou-se com os primeiros discos, como
“Post-Scriptum”, quando Cristina tinha sede exclusiva da sua carreira na
Holanda. Era então uma “fadista” exilada que no seu próprio país era encarada com
certa estranheza.
Os últimos trabalhos, porém,
baralharam a questão. “Corpo Iluminado” e, sobretudo, “Sensus”, inspirado na
poesia erótica, mostravam já uma voz e uma sensibilidade adultas que de modo
algum se confinavam ao universo do fado. “Ulisses”, o novo álbum, que apresenta
amanhã no S. Luiz, em Lisboa (esta semana, ainda, quinta-feira em Aveiro),
consuma a rutura. Apenas um fado, “Gaivota”. Todo o restante alinhamento respeita
um outro roteiro de referências que passam pela música popular urbana. Em
“Ulisses” Cristina Branco recusa terminantemente o epíteto de “fadista”. Não é
um álbum de fados nem de fado mas um alinhamento, cuja lógica secreta apenas a
sua intérprete detém, que inclui as assinaturas de Fausto, Vitorino, José
Afonso e... Joni Mitchell. Custódio Castelo, como é hábito, completa
musicalmente a maior parte do disco, com a sua guitarra portuguesa e uma inspiração
que vai buscar inspiração ao fado, a Paredes, à música árabe e a outras
tradições algumas delas existentes apenas dentro da sua cabeça. Cristina Branco
dá voz e alento a visões poéticas construídas com as palavras de Camões, Vasco
Graça-Moura, José Luís Gordo, Júlio Pomar, David Mourão-Ferreira e Paul Éluard.
Os velhos do Restelo ficam com os
cabelos em pé, perante tanta e tamanha diversidade. A esses Cristina Branco faz
ouvidos de mercador, prosseguindo um caminho que ela própria não sabe onde
desembocará mas que forçosamente será da sua inteira e exclusiva responsabilidade.
“Ulisses” é o disco das “vontades” e dos “desejos” da cantora, quase mimando os
caprichos da mulher grávida, situação que viveu de facto e foi determinante na
economia emotiva de “Ulisses”. “Ulisses” é o filho de uma cantora que não quer
ver barreiras na linha do horizonte mas cujos pontos de exclamação são, ao
mesmo tempo, pontos de interrogação. São vários os sentidos. Os sentidos que
sentem, os sentidos que são setas, os sentidos que são dor. Os sentidos que
também são línguas. Além do português, o sotaque brasileiro, o castelhano, o
francês (na “Liberté” de Paul Éluard) e o inglês (em “A case of you” de Joni
Mitchell) são os idiomas usados em “Ulisses”, como ferramentas de um trabalho de
exploração e descoberta. Poderiam parecer sinais de inquietação (e também são…)
mas, mais do que sinais, são a carne e o espírito de canções provenientes de
muitos mundos que Cristina Branco quer experimentar e transforma em verbos
conjugados na primeira pessoa. Experiências alheias que se tornam suas. E no
palco, a experiência maior e mais arriscada: a recusa de máscaras e a exposição
nua do quadro da sua própria interioridade. Cristina Branco, por mais longe que
a sua personalidade vá em busca de novas vivências, é sempre Cristina Branco. A
exploradora. Que às vezes, quando o seu coração passa por lá, até canta o fado.
SÁBADO|26
LISBOA|Teatro Municipal de S. Luiz
R. Antº Maria Cardoso, 38-58. Às 21h00. Tel.: 213257650. Bilhetes: €19,5 a €25,5.
Na Sala Principal.
QUINTA|3
AVEIRO|Teatro Aveirense
Pç. República. Às 21h30. Tel.: 234400920. Bilhetes: €17,5 (plateia); €15 (balcão)
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