JAZZ
ENTREVISTA
PÚBLICO 19 MARÇO 2005
Ladino
no alto da montanha
Mountain Passages é o novo álbum do trompetista Dave Douglas. Inspirado na figura do pai, montanhista e cartógrafo, foi apresentado ao vivo em plena montanha. A música ladina atravessa grande parte do reportório. Conversa com este músico.
Explique, por favor, a génese de “Mountain Passages”.
O álbum foi feito especificamente para responder a uma encomenda de um festival no Norte de Itália, o “Sound of the Dolomites”. Pediram-me para criar uma “suite” que pudesse ser tocada no cume das montanhas. Todos os instrumentos tinham que ser carregados até lá, logo não havia piano, nem contrabaixo. Até que comecei a ouvir música na minha cabeça, uma divagação de uma “travelling band”. Daí a instrumentação: trompete, clarinete, tuba, violoncelo, percussão… Também me deram alguma música “ladina”, completamente louca, metade é muito calma, a outra metade é música de copos. No CD tentei oscilar entre estes dois extremos. Mas o mais importante foi imaginar a sensação que seria tocar nas montanhas.
Que sensação foi essa?
Qual foi a influência do seu pai (montanhista e cartógrafo) na criação do álbum?
“Mountain Passages” pode ser encarado como um mapa?
Como definiria o termo “música da montanha”?
A sua música tem elementos étnicos muito fortes. De onde vêm eles?
“Mountain Passages” é um dos seus álbuns formalmente mais tradicionais. Concorda?
Qual é a sua relação com o jazz tradicional? Está dentro ou fora da tradição?
Como é que estende esses limites?
Cada vez que componho uma peça de música, ponho a mim próprio uma série de questões. Penso sempre previamente no que poderei fazer. É por isso que os meus CD são tão diferentes uns dos outros. Antes de escrever penso sempre no conceito. Tive um ano para pensar em “Mountain Passages”.
Muitos dos discos pop em que toquei foi a convite do produtor Michael Froom. Também toquei no álbum dele. Gosto bastante de pop, não tenho qualquer preconceito quanto a isso. Gosto muito de Björk, Radiohead, Timbaland… Mas com Michael Froom era sempre interessante, não era aquele tipo de sessão em que dizem “toca isto” e depois vamo-nos embora. Não, falávamos muito de cada canção, havia sempre diálogo.
Fale-nos da sua relação com a eletrónica, que já vem do tempo em que tocava com os Doctor Nerve…
É uma nova linguagem que está disponível. Na maior parte da minha música tanto uso o computador, como instrumentos mais antigos como o Wurlitzer, o Fender Rhodes ou o “ring modulator”. Mas o que se pode fazer com o computador é fascinante, penso que é tão excitante como tocar saxofone ou cantar. Neste momento um dos meus projetos com o grupo elétrico os Keystone é criar bandas sonoras para filmes mudos de Roscoe “Fatty” Arbuckle, ator e realizador, uma estrela de cinema de 1915/16. Também participa o DJ Aleph.
Quais são as suas influências?
Sou influenciado pela pop e pela “world music”. No jazz, Charles Mingus, Thelonious Monk, Eric Dolphy, Ornette Coleman, Cecil Taylor, Wayne Shorter, Woody Shaw, Julius Hemphill, Henry Threadgill, Anthony Braxton… Tudo gente importante para mim. Não pretendo copiar ninguém, mas apenas aproveitar as suas lições. No início de carreira compus jazz moderno mainstream, ao estilo de Joe Henderson e Woody Shaw, mas ao longo dos anos fui descobrindo novas maneiras de me expressar, até fazer um álbum como “In a Lifetime”, uma homenagem a Booker Little.
A fase elétrica de Miles Davis?
Claro, foi muito importante. A fase elétrica e a acústica. Gosto de todos os períodos de Miles. Não compreendo as pessoas que apenas ouvem a fase elétrica. É horrível. O homem trabalhou tanto! Dêem-lhe uma chance, por amor de Deus!
Quais são as suas motivações?
As motivações são sempre um pouco misteriosas. Neste ponto posso dizer que é ser fiel, honesto comigo próprio, dizer a minha verdade através da música. Gostaria de comunicar aos outros a minha realidade pessoal e, quando se faz isto, há sempre algo de universal no processo.
Disse que todos os seus discos são diferentes uns dos outros. Há alguma unidade na sua obra?
Somos o que somos, não há maneira de escapar. A razão por que fiz discos tão diferentes foi por tentar ultrapassar os meus limites. Porque é que tenho de ser isto ou aquilo? Mas, olhando para trás, não são assim tão diferentes. Há em cada álbum uma linha qualquer que passa para o álbum seguinte, há uma sequência. Não espero que toda a gente conheça todos os meus álbuns, mas, à medida que forem conhecendo a minha obra para trás, verão que existe um caminho.
Mountain Passages
Greenleaf Music
8 | 10
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