SEGUNDA-FEIRA, 17 JANEIRO 2005
No Smoking Band traz folia a Lisboa
CONCERTO ÚNICO NO
COLISEU DOS RECREIOS
O grupo de Emir Kusturica e a sua “trupe de loucos” apresenta o concerto
da digressão “Life Is a Miracle Tour”. A lotação já está esgotada
Zabranjeno Pusenje. É difícil
perceber assim. Em inglês é mais fácil: No Smoking. Banda de loucos ou de
iluminados. No Smoking Band atua esta noite no Coliseu dos Recreios, em Lisboa,
e espera-se folia da grande. A lotação está esgotada, a provar o interesse do
público pelas tropelias desta formação que tem tudo para poder ser incorporada
nas prateleiras da “world music”, mas que nos discos e nos concertos se revela
muito mais do que a tradução, mais ou menos fiel à “verdade” original, da
música tradicional dos Balcãs. Já lhes colaram o rótulo “gypsy tecnorock” e a
sua estética e apresentação têm tanto de punk como de folclore e de circo.
Talvez
esta atração não fosse tão forte caso entre as fileiras do grupo não figurasse,
desde 1986, um baixista com o nome de Emir Kusturica, conceituado e desalinhado
cineasta bósnio autor de filmes desconcertantes sobre o amor, a loucura, a
alegria, a vida e a morte, como “Arizona Dream”, “O Tempo dos Ciganos”,
“Underground”, “Gato Preto, Gato Branco” e o novo “A Vida É um Milagre”.
Kusturica e No Smoking juntos formam uma combinação letal.
Mas
a história da No Smoking Band remonta a 1980, ano da sua formação, em Sarajevo,
onde se integraram num movimento soprado para o exterior com a designação “New
Primitivism”, basicamente uma recapitulação balcânica do punk, nos anos de
transição da era pós-Tito. Dois anos foram passados a tocar em pequenas salas
de Sarajevo e só em 1984 a No Smoking Band reuniu as condições para gravar o
primeiro álbum, “Das Ist Walter”. Uma das canções, “Zenica Blues” tornou-se um
“hit” na Jugoslávia, com cem mil exemplares vendidos.
Para
o grupo, o sucesso não passou de uma nota de rodapé – nem o dinheiro tombou a
rodos nem a atitude de descomprometimento e confrontação sofreu o mínimo
abrandamento. No mesmo ano, a participação na série de televisão “Surrealist
Top List”, uma sátira violenta ao poder oficial, provocou o primeiro franzir de
sobrancelhas nas autoridades do país, que passaram a ver no grupo um comício
itinerante de perigosos anarquistas. Corolário de tudo isto, o diretor
artístico e cantor da banda, Dr. Nele Karajilic, atreveu-se a pronunciar
comentários menos politicamente corretos sobre a morte do general Tito em plena
atuação ao vivo. Como o próprio Dr. Nele hoje recorda, “passou a haver uma
quantidade de polícias” a vigiar cada concerto.
O
boicote oficial passou a ser sistemático, o que não obstou a que a banda
gravasse o seu segundo disco, “Dok Cekas Sabah sa Sejtanom” (“À Espera do
Sabbath com o Diabo”). “Tempos difíceis” para o grupo. “Ficávamos até de
madrugada a beber nos bares tendo como única companhia o diabo”. O disco vendeu
miseravelmente, mas o entusiasmo não esmoreceu. Saíram músicos e entraram
músicos. Um dos que entraram foi Emir Kusturica, e deste modo os No Smoking Band
passaram a contar com um inesperado chamariz mediático. Depois de um primeiro
galardão internacional conquistado em 1981 com “Lembras-te de Dolly Bell?”, o
Leão de Ouro de Veneza, o cineasta acabara de conquistar em 1985 a Palma de
Ouro de Cannes com “O Papá Foi em Viagem de Negócios”.
Uma banda sempre em renovação
Não admira, portanto, que o álbum
seguinte, “Pozdrav iz Zemlje Safari” (1987), invertesse o processo, com 90 mil
exemplares vendidos, seguindo-se, em 1989, “Male Price o Velikoj Ljubavi”. A guerra
rebentou entretanto e a No Smoking Band interrompeu as suas atividades. Nelle
Karajilic mudou-se para Belgrado e encetou novas mudanças na formação da banda,
com o convite a músicos mais novos, entre os quais Stribor Kusturica, na
bateria, filho do realizador. Kusturica, também ele antigo elemento de uma
banda punk, manteve-se, mais do que nunca, “persona non grata”, agora do novo
regime, pelas suas posições em defesa de uma Jugoslávia unificada.
Em
1998, pela primeira vez a No Smoking Orchestra foi convidada a fazer a banda
sonora de um filme de Kusturica, “Gato Preto, Gato Branco” (vencedor do Leão de
Ouro de Veneza), que deste modo substituíram Goran Bregovic, autor das músicas
de “Arizona Dream”, “O Tempo dos Ciganos” e “Underground”. O próprio Kusturica,
juntamente com o violinista Dejan Sparavalo, assinou as composições do álbum,
tendo Nele Karajilic escrito as letras. O grupo, ou melhor, a pequena
orquestra, era já nesta altura uma presença requisitada no circuito de
concertos internacional. A digressão “Side Effects” levou multidões aos
concertos. A No Smoking Band atuou no Festival de Veneza, em programas de
televisão e – heresia das heresias – gravou mesmo um “videoclip” para a estação
de música MTV, realizado pelo próprio Kusturica.
Em
palco, porém, os No Smoking não deram sinais de domesticação, apesar da música
ganhar cada vez mais espaço à vertente intervencionista dos primeiros tempos. O
álbum “Unza Unza Time” (2000) introduziu o termo “unza unza” para definir (?) a
tremenda girândola de sons e imagens que o grupo empresta às suas atuações. “A
Vida É um Milagre”, o mais recente filme de Kusturica, conta de novo com banda
sonora assinada pelo grupo, dando inclusive nome à atual digressão que traz os
No Smoking a Portugal, “Life Is a Miracle Tour”.
Ao
que Lisboa assistirá esta noite no Coliseu dos Recreios não é fácil de definir.
Música cigana, danças balcânicas, música clássica e agressão punk são servidos
por estranhas personagens envergando trajes bizarros, num caleidoscópio que,
por detrás de uma alegria que se confunde com loucura furiosa, esconde algum
negrume. Como diz Nele Karajilic, “se alguém quiser suicidar-se ao vivo no
palco durante o concerto, terá todo o nosso apoio!”. A morte, afinal, também
faz parte do milagre?
Às 21h30. Bilhetes de 30 a 180 euros.
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