Y 4|MARÇO|2005
música|genesis
The
Lamb Lies Down on Broadway foi o concerto certo na altura certa. A revolução de
Abril, e o seu banho de realidade, era ainda uma criança mas o onirismo do rock
Progressivo já declinava. Os Genesis acertaram precisamente no meio. Um DVD
editado puxa pelas memórias.
Encore
30 anos depois
Há 30 anos,
o cordeiro deixou a Broadway para vir, mais do que descansar, desatinar Cascais
e o público português. O DVD “Genesis Encore Cascais 75” relembra como tudo se
passou, para gáudio dos que pretenderem reavivar a memória do mítico concerto de
6 de Março de 1975.
Intercalados com os vários depoimentos, surgem imagens da época que recuperam o ambiente político do país até se chegar ao próprio pavilhão Dramático de Cascais e, por fim, a imagens do concerto, captadas por elementos do público.
Os entrevistados vão desfiando memórias, nem sempre coincidentes com a realidade. Eram os tempos, diz alguém, em que os discos chegavam cá com meses de atraso. Não é verdade. As novidades, muitas delas álbuns obscuros, chegavam por via de importação com relativa celeridade a discotecas como a Melodia, Universal, Valentim de Carvalho, Sassetti e Sinfonia. Eram tempos, diz outro entrevistado, em que apenas havia publicações de música em francês (presumivelmente estaria a pensar na “Rock & Folk” e na “Best”) e em alemão (“Bravo”). Errado. Os jornais britânicos “Melody Maker” e “New Musical Express” há anos que ocupavam semanalmente os escaparates de algumas livrarias e papelarias de Lisboa.
Politicamente vivia-se o tempo do PREC (Processo Revolucionário em Curso”), saltam imagens de comícios e manifestações de rua. O concerto dos Genesis era visto como algo difuso, “uma coisa colada à direita”. A voz “off” de José Mário Branco canta versos como “abaixo a burguesia e a exploração”. O 11 de Março não tardaria nessa “semana completamente louca” em que o jornal A Capital anunciava que a “CIA planeia golpe de estado em Portugal antes do fim de Março”. 20 liceus estavam em greve, era “vulgaríssimo haver cenas de pancadaria”. No meio de tudo isto o concerto dos Genesis era uma “coisa extra-terrestre”.
Chegado o dia, e para não destoar do contexto, “foi a balbúrdia total”. O DVD, realizado por João Dias a partir de um conceito idealizado por Mário Caeiro, mostra recortes de jornal. Num deles pode ler-se “Genesis em Cascais: Um novo processo de tortura voluntária”. As imagens paradisíacas do jardim anexo ao pavilhão escondem a violência e a incomodidade dos que conseguiram entrar, pagando ou não o bilhete de 80 escudos. São mostradas imagens do pavilhão, ainda em construção. 10 mil, 11 mil pessoas em cada um dos dias transformaram o Dramático de Cascais num barril de pólvora.
Mas quando o espetáculo começa finalmente, todo o sofrimento desaparece como por magia. Os rostos ficam “histéricos”. Alguém fala no chuto que sentiu quando o som irrompeu de repente das colunas. Ninguém esqueceu o aparato cénico. Peter Gabriel que aparece em dois locais do palco simultaneamente. “Uma projeção”. Um deles era um “boneco”. “Jogo de espelhos”. Ainda hoje o mistério permanece. Também é recordada a parte em que o vocalista dos Genesis passeia dentro de um tubo iluminado. Um “preservativo gigante” onde Gabriel fazia de “espermatozóide”. Só no fim do DVD, sobre as imagens do grupo em palco captadas por um amador, se ouve a música de “The Lamb Lies Down on Broadway”.
Os extras incluem material fotográfico abundante, desde imagens registadas durante os dois dias de concertos a uma fotoreportagem com fotos do grupo antes e depois dos concertos, em poses descontraídas na vila e na baía de Cascais. Há ainda um apanhado de reações da imprensa da época, reproduções das páginas da próxima edição da revista Cais (CasCAIS 75…) inteiramente preenchida pelo acontecimento de 1975 e excertos do espetáculo “The Lamb Lies Down on Broadway” que o grupo canadiano The Musical Box, clone dos Genesis, apresentará em Lisboa, na Aula Magna, em Maio, comemorando os 30 anos da edição original do álbum. Os The Musical Box, depois de já terem mimado álbuns anteriores do grupo original, como “Foxtrot” e “Selling England by the Pound”, foram desta vez ao ponto de reproduzir os modelos de instrumentos originais usados pelos Genesis em “The Lamb Lies down on Broadway” e vão socorrer-se igualmente de todos os truques de encenação que a banda britânica usou em Cascais.
30 anos é muito tempo para ser concedido um “encore”. Mas ao ver-se este DVD parece que foi ontem.
GENESIS
ENCORE CASCAIS 75
distri. Bazar do Vídeo
7|10
música|genesis
Rael na real em
cascais
Para
os que estiveram presentes no Dramático de Cascais nas noites de 5 e 6 de
Março, de 1975, foi o concerto das suas vidas. Tão importante que, 30 anos
depois, um grupo de carolas resolveu juntar-se para comemorar e promover
iniciativas alusivas ao concerto: um almoço-encontro (amanhã, no Centro
Cultural da Gandarinha, às 13h30, com entrada a 30 euros), um número da revista
Cais dedicado ao concerto e a edição de um DVD-documentário [ver texto nestas
páginas].
1975 foi um ano estranho em
Portugal. A ebulição provocada pelo 25 de Abril estava longe de se considerar
extinta e saborear o gosto da liberdade era ainda estonteante. Viviam-se os
tempos do PREC Processo Revolucionário em Curso), espantava-se o medo que a reação
erguesse de novo o rosto monstruoso. Tão monstruoso como a máscara que Gabriel
vestiu nessas noites, durante a apresentação do tema “The colony of the
slippermen”, com as suas bolhas-balões…
O concerto dos Genesis, mítico
porque catalisador de uma corrente estética – o rock progressivo – e centrado
no espírito da época, foi um sonho tornado realidade para os que lá estiveram.
Duas noites de escape feito visão, com o COPCON (Comando Operacional do
Continente) a tentar controlar no exterior do Dramático de Cascais aquilo que é
impossível de controlar, a imaginação. No segundo dia houve mesmo tiroteio
(para o ar) a causar o pandemónio geral. Ambiente fervilhante. Lá dentro, ainda
mais quente, estaria delirante.
Foram 20 mil os que assistiram à
apresentação de “The Lamb Lies Down on Broadway”. Para o grupo era o pico de
uma carreira que abraçara o rock progressivo mas que neste álbum prenunciava já
a rutura com um imaginário que o punk arrasaria e formataria em canções de dois
minutos de ódio e a ainda menor número de acordes. As tensões eram imensas mas
a obra revelou-se capital. Peter Gabriel, Rael (anagrama de “Real”), na
iconografia de “The Lamb...”, trazia já embrulhada nas suas histórias o
dia-a-dia a preto e branco (como a capa do álbum, a contrariar a profusão
cromática das anteriores).
A fantasia dos Genesis deixara de
ser a “trip” de “Supper’s Ready” (“Foxtrot”, 1972), a surrealidade de “Nursery
Cryme” (1971) ou a Inglaterra paradoxal de “Selling England by the Pound”
(1973). Agora era a luta de Rael, um porto-riquenho de casaco de cabedal. De
certa forma “The Lamb...” antecipa o fi m do rock progressivo, num ano, 1974,
que coincide com a agonia desta corrente musical. As “suites” de 20 minutos
desapareceram, dando lugar a canções curtas que revelam o desejo de Gabriel de
chegar a outro público, mais próximo da pop e menos elitista. Não por acaso o
grupo teria a sua primeira cisão já no ano do concerto, 1975, sendo “The
Lamb...” por muitos considerado não um álbum dos Genesis mas uma obra de
Gabriel. Gabriel que encetaria a partir daí carreira a solo que não fez mais do
que confirmar o abandono do rock progressivo. Quanto aos Genesis, depois de
breve período de transição, sinalizado por “Trick of the Tail” (1976) e “Wind and
Wuthering” (1976), tinham o caminho aberto para se tornarem num grupo
“mainstream”, de estádio, para multidões.
1975 foi pois o último ano de glória
do Progressivo. O ano seguinte seria o voltar da página mas “The Lamb...” ainda
é considerado a obra-prima do grupo. O teatro e a inovação que nessas noites em
Cascais fizeram revirar os olhos à assistência representaram o expoente da
estética do grupo. Fumos, máscaras, “slides”, ilusões de ótica transformaram o
concerto num ritual de metamorfoses. Mas Peter Gabriel/Rael que escrevera
sozinho toda a peça (duplo álbum em disco, mais de duas horas de espetáculo ao
vivo) estava de saída. Os Genesis nunca mais voltariam a ser os mesmos. Os
elementos da assistência também.
Não foi o primeiro concerto de rock
progressivo em Portugal. Antes já por cá tinham passado os alemães Embryo
(curiosamente, a estreia, gratuita, de um concerto deste tipo, aconteceu com um
representante do krautrock), os If, os Beggars Opera e – primeiros a atuarem no
Dramático – os Procol Harum. Mas os Genesis vieram na altura exata, no apogeu.
Ao contrário dos outros concertos, em que o mais excitante foi de ordem
não-musical, os Genesis trouxeram a perfeição.
No caso dos Procol Harum, foi ver
parte do público a saltar para o interior do pavilhão a partir do telhado, ao
mesmo tempo que, numa tentativa para acalmar os ânimos, a organização anunciava
pelos altifalantes que já faltava pouco e que os músicos estavam nesse momento
a entrar para o avião que os traria de Londres para Lisboa… Com os Beggars
Opera a excitação aconteceu quando um dos assistentes, culminando um “strip
tease” improvisado, pontapeou um dos sapatos para a plateia. O esmagamento
contra a parede da entrada do Monumental, no concerto dos String Driven Thing,
não conta. O concerto dos Atomic Rooster em Almada, com o tropel do público a
espezinhar o porteiro e este, pisado e espalmado no chão, continuando, num
delirante excesso de zelo, a pedir que lhe fossem mostrados os bilhetes, também
não… Era o rock em Portugal no anos conturbados do pós-revolução.
Casos extremos foram o tiroteio da
polícia no concerto dos Can no Pavilhão dos Desportos, em Lisboa, e, no registo
oposto, a beatitude ordeira dos que se deslocaram a Cascais para ver e ouvir os
Pulsar. Com os Genesis foi tudo em grande: o público em excesso (houve quem, no
interior do pavilhão, não visse peva do espetáculo), o visual desmesurado do
grupo, a dimensão inflacionada da própria obra, escrupulosamente recriada em
moldes artísticos e técnicos a que Portugal nunca antes assistira.
metralhadoras e charros
As recordações seguintes
pertencem a quem esteve lá e se lembra. Com histórias para contar daqueles dois
dias de apertos, tiros, mas, sobrelevando tudo, um dos maiores espetáculos de
rock ao vivo em Portugal.
Miguel Ângelo delfins
Tinha
8 anos quase 9, e um dos discos que tinha ouvido no ano anterior era o “Selling
England By The Pound”, em casa de umas primas que passavam férias em Inglaterra
e traziam alguns vinis que por cá não se encontravam. Assim rumei a Cascais, acompanhado
pelas referidas primas, irmão e pais. Lembro-me do ambiente de celebração, era
o primeiro dia de concerto e a revolução ainda estava fresca. De qualquer modo,
não houve grande confusão lá dentro (ao contrário do segundo dia, onde o COPCON
também atuou!). Antes do concerto, as pessoas aplaudiam aqueles que conseguiam
entrar à borla através de uma abertura na bancada que dava para o hipódromo!
Quando as luzes se apagaram toca a gente se pôs em pé em cima das cadeiras, e
fiquei em desvantagem. Nisto, um freak simpático ao meu lado pôs-me às
cavalitas, de onde vi a maior parte do concerto! Nunca lhe agradeci o sufi
ciente por isso... A memória fotográfica resistiu mais ao tempo que a auditiva,
embora a interpretação de Gabriel e os teclados de [Tony] Banks fossem a marca
de água das canções, juntamente com a guitarra de [Steve] Hackett, o único
músico que tocando sentado contrastava com a exuberância de Gabriel. Mas tenho
presentes, mais ou menos desfocadas, as imagens do manto negro a abrir o seu
patchwork colorido em “The Light Lies Down...”, do efeito do cone de luz rodando
sobre o cantor, da simulação da “cage”, da ilusão, através de um manequim, de
Gabriel estar nos dois lados do palco ao mesmo tempo, daquela banda de imagem
dividida por três ecrãs – inovadora para a altura! – e daquele balão rebentado
no fato de estranhas protuberâncias que tinha sido usado como imagem promocional
do concerto. Este concerto terá cimentado a minha ligação eterna à música pop e
apontado uma via profissional alternativa, num país ainda muito atrasado nesse
aspeto. Mas era aquilo que quereria fazer “quando fosse grande...”
David Ferreira diretor da
emi - vc
Estava
tão cheio que dava a sensação de que não havia lotação limite. Estávamos todos permanentemente
ou ao colo de alguém ou com alguém ao nosso colo. Há cerca de três anos, eu
estava no estúdio do Peter Gabriel para ouvir o último disco dele. Não o
conhecia pessoalmente. Almoçámos no estúdio da Real World e o Peter Gabriel
apareceu estávamos nós a começar a almoçar. Ia cumprimentando as pessoas e na
altura em que chegou a minha vez disse-lhe: “Olhe, não nos conhecemos, mas a
primeira vez que o vi foi há vinte e muitos anos”. Ele ficou assim a olhar para
mim. Até que exclamou: “Portugal… Portugal… ah, com as metralhadoras!”.
Lembrava-se perfeitamente, nunca tinham atuado ao lado de soldados com
metralhadoras. Ficou encantado o resto do tempo a contar histórias desse
concerto. Também me lembro que apareciam dois Peter Gabriels. Mais tarde quando
vejo o Phil Collins a assumir as rédeas como cantor parti do princípio que o
clone do Peter Gabriel seria ele. E lembro-me que estávamos todos vagamente
charrados, com o que o tipo do lado fumava. A proximidade das pessoas era tão
grande que era impossível deixar de sentir o fumo. Foi uma mistura curiosa de
uma sobrelotação terceiromundista, metralhadoras e charros.
Zé Pedro xutos e pontapés
Para
a minha geração foi o grande concerto rock. Estava fascinadíssimo. Fui para lá
com três dias de antecedência, só tinha dinheiro para o bilhete de um dia, para
o segundo dia falsifiquei, fiz um bilhete à mão. Só o ambiente já era excecional,
podemos comparar, à nossa dimensão, a um Woodstock.
Manuel Cardoso tantra
Fui
aos dois dias. Aquilo foi um aperto desgraçado, inacreditável, mas os espetáculos
foram memoráveis. Impressionou-me sempre a obra em si, “The Lamb Lies Down on
Broadway”, embora não seja o meu trabalho preferido dos Genesis. Gosto mais dos
dois primeiros álbuns, a seguir vem esse e o “Trick of the Tail”. Impressionou-me
o espetáculo, mas o concerto não marcou nada os Tantra. Cresci com os Genesis
mas não, essa questão [da influência] foi sempre [posta] por causa das
máscaras, as pessoas colam pelo óbvio. A nossa música não tinha nada a ver com
os Genesis, aliás era das bandas progressivas, eles e os Pink Floyd, as que
menos nos influenciaram.
Lena D’água cantora
Fui
no dia em que houve tiros lá fora. Estava tanta, tanta gente que fi cou
impossível. Eu estava pendurada, agarrada a uma grade, como não sou alta, só
assim é que dava para ver. Fui com dois amigos, um era o meu namorado, futuro
marido, e mais um outro da banda, os Beatnicks. Quando chegámos a Cascais, de
comboio, estava tanta gente, havia filas que davam a volta ao quarteirão. Mas passámos
ao pé de um porteiro a perguntar quanto tempo é que ele achava que ia demorar.
Eu estava muito apaixonada, com uma tunicazinha e ele achou que eu estava
grávida. “A senhora está à espera de bebé, pode entrar!”. E entrámos. O mais
incrível é que eu não estava grávida mas engravidei mesmo nesse mês, também já
andava a pedi-las. O concerto foi um espetáculo de luzes, aquele Peter Gabriel
maravilhoso, o que ele fazia no palco…desaparecia de um lado, aparecia do
outro…Lembro-me de um túnel por onde ele entrava… Era tudo fantástico para nós,
na altura o que tínhamos por cá eram os festivais de jazz de Cascais. E a gente
não faltava. Não éramos do jazz, mas era uma maneira de vermos bons músicos a
tocar.
Manuel Mouzos realizador
Fui
ao segundo dia, com bilhete, embora depois soubesse pelos meus amigos que houve
gente que entrou sem rasgar o seu, por causa da confusão à porta. Lembro-me de
ver na entrada militares e isso marcou-me logo, além do facto de ser a banda,
na altura, minha preferida. Todo o frenesim, não só meu, e depois aquela
confusão que se gerou... até que um dos militares, sem querer, começou a
disparar o que gerou ainda maior confusão. A imagem que tenho é da entrada ficar
de repente um deserto cheio de sapatos e sacolas. Depois de nova tentativa de
entrada, quase ia morrendo, espezinhado, caiu uma pessoa à minha frente, depois
outra, caíram não sei quantas para cima de mim, foi turbulento. Mas o facto de nos
conseguirmos desembaraçar da situação e conseguirmos entrar, lá dentro lá
animámos e realmente foi um concerto magnífico, quase mágico. Quando saímos só
queríamos é que aquilo continuasse por mais tempo.
30 anos depois
Intercalados com os vários depoimentos, surgem imagens da época que recuperam o ambiente político do país até se chegar ao próprio pavilhão Dramático de Cascais e, por fim, a imagens do concerto, captadas por elementos do público.
Os entrevistados vão desfiando memórias, nem sempre coincidentes com a realidade. Eram os tempos, diz alguém, em que os discos chegavam cá com meses de atraso. Não é verdade. As novidades, muitas delas álbuns obscuros, chegavam por via de importação com relativa celeridade a discotecas como a Melodia, Universal, Valentim de Carvalho, Sassetti e Sinfonia. Eram tempos, diz outro entrevistado, em que apenas havia publicações de música em francês (presumivelmente estaria a pensar na “Rock & Folk” e na “Best”) e em alemão (“Bravo”). Errado. Os jornais britânicos “Melody Maker” e “New Musical Express” há anos que ocupavam semanalmente os escaparates de algumas livrarias e papelarias de Lisboa.
Politicamente vivia-se o tempo do PREC (Processo Revolucionário em Curso”), saltam imagens de comícios e manifestações de rua. O concerto dos Genesis era visto como algo difuso, “uma coisa colada à direita”. A voz “off” de José Mário Branco canta versos como “abaixo a burguesia e a exploração”. O 11 de Março não tardaria nessa “semana completamente louca” em que o jornal A Capital anunciava que a “CIA planeia golpe de estado em Portugal antes do fim de Março”. 20 liceus estavam em greve, era “vulgaríssimo haver cenas de pancadaria”. No meio de tudo isto o concerto dos Genesis era uma “coisa extra-terrestre”.
Chegado o dia, e para não destoar do contexto, “foi a balbúrdia total”. O DVD, realizado por João Dias a partir de um conceito idealizado por Mário Caeiro, mostra recortes de jornal. Num deles pode ler-se “Genesis em Cascais: Um novo processo de tortura voluntária”. As imagens paradisíacas do jardim anexo ao pavilhão escondem a violência e a incomodidade dos que conseguiram entrar, pagando ou não o bilhete de 80 escudos. São mostradas imagens do pavilhão, ainda em construção. 10 mil, 11 mil pessoas em cada um dos dias transformaram o Dramático de Cascais num barril de pólvora.
Mas quando o espetáculo começa finalmente, todo o sofrimento desaparece como por magia. Os rostos ficam “histéricos”. Alguém fala no chuto que sentiu quando o som irrompeu de repente das colunas. Ninguém esqueceu o aparato cénico. Peter Gabriel que aparece em dois locais do palco simultaneamente. “Uma projeção”. Um deles era um “boneco”. “Jogo de espelhos”. Ainda hoje o mistério permanece. Também é recordada a parte em que o vocalista dos Genesis passeia dentro de um tubo iluminado. Um “preservativo gigante” onde Gabriel fazia de “espermatozóide”. Só no fim do DVD, sobre as imagens do grupo em palco captadas por um amador, se ouve a música de “The Lamb Lies Down on Broadway”.
Os extras incluem material fotográfico abundante, desde imagens registadas durante os dois dias de concertos a uma fotoreportagem com fotos do grupo antes e depois dos concertos, em poses descontraídas na vila e na baía de Cascais. Há ainda um apanhado de reações da imprensa da época, reproduções das páginas da próxima edição da revista Cais (CasCAIS 75…) inteiramente preenchida pelo acontecimento de 1975 e excertos do espetáculo “The Lamb Lies Down on Broadway” que o grupo canadiano The Musical Box, clone dos Genesis, apresentará em Lisboa, na Aula Magna, em Maio, comemorando os 30 anos da edição original do álbum. Os The Musical Box, depois de já terem mimado álbuns anteriores do grupo original, como “Foxtrot” e “Selling England by the Pound”, foram desta vez ao ponto de reproduzir os modelos de instrumentos originais usados pelos Genesis em “The Lamb Lies down on Broadway” e vão socorrer-se igualmente de todos os truques de encenação que a banda britânica usou em Cascais.
30 anos é muito tempo para ser concedido um “encore”. Mas ao ver-se este DVD parece que foi ontem.
ENCORE CASCAIS 75
distri. Bazar do Vídeo
7|10
Sem comentários:
Enviar um comentário