20/11/2019

O som grave da locomotiva de Carlos Barretto


CULTURA
TERÇA-FEIRA, 28 OUT 2003

O som grave da locomotiva de Carlos Barretto


Carlos Barretto, um dos mais destacados instrumentistas e compositores do jazz feito atualmente em Portugal, apresenta esta noite ao vivo o seu novo álbum, “Lokomotiv”, em quarteto com Mário Delgado (guitarra), José Salgueiro (bateria e percussões) e Sérgio Carolino (tuba), este último a substituir o francês François Corneloup, presente no disco como executante de saxofone barítono.
            Descontando as necessárias adaptações ditadas pela troca de instrumentos, mantém-se, porém, um som que sabe tirar o máximo partido possível da conjugação das sonoridades graves, nomeadamente nos diálogos entre as notas mais baixas dos sopros e o contrabaixo tocado com arco. “Uma coisa deliberada”, diz o autor de “Solo Pictórico”, álbum de contrabaixo solo editado no intervalo entre “Radio Song” e “Lokomotiv”: “São instrumentos graves, o clarinete baixo [por Louis Sclavis, outro expoente do novo jazz francês, no anterior “Radio Song”], o saxofone barítono e o contrabaixo. Dá para invertermos os papéis, ao nível do acompanhamento e dos solos.”
            “Lokomotiv” pode ser considerado como a continuação de uma estética iniciada com o aclamado “Radio Song”, eleito pelo PÚBLICO melhor disco português de jazz do ano passado. Jazz feito em Portugal e não jazz português, porque a música do contrabaixista recusa-se a aderir a padrões determinados por quaisquer regionalizações, inserindo-se, ao invés, numa corrente universalista, embora de acordo com os parâmetros de um som marcadamente europeu.
            Em vez do “hermetismo” de ligações demasiado acorrentadas ao folclore de uma determinada região, neste caso o português, o contrabaixista é adepto de um “universalismo” que lhe permite integrar na sua música elementos como “o rock, a música contemporânea, o cinema americano ou coisas orientais…”.
            “Lokomotiv”, como “Radio Song”, refuta qualquer tentativa de análise paternalista para se assumir como grande jazz em qualquer parte do mundo. Desprende-se desta música uma energia e uma frescura contagiantes, a par de um sentido apurado do equilíbrio certo entre composição e improvisação, embora Barretto não esconda o prazer que esta última lhe proporciona. “O que eu gosto mais é de improvisar, incluindo nas partes escritas. Às vezes construo uma pequena melodia, mas inserida num contexto suficientemente aberto para acontecerem outras coisas, sempre variáveis. Este disco tem mais improvisação que o anterior.”
            Um trabalho de equipa, “como o Futebol Clube do Porto”, em que “todos dão ideias”, que é, desde já, sério candidato a, uma vez mais, levar para casa o título de melhor do ano.

Carlos Barretto
“Lokomotiv”
LISBOA Teatro S. Luiz.
Tel. 213257650. Às 21h.
Bilhetes entre 5 e 15 euros.

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