05/11/2019

What a wonderful new world [Louis Armstrong]


JAZZ
DISCOS
PÚBLICO 4 OUTUBRO 2003

Com “Satchmo” e as suas formações do final dos anos 20, Hot Five e Hot Seven, o jazz entrou na sua idade adulta.

What a wonderful new world

Nos anos 20, na época em que o jazz era apenas “música de pretos”, Louis Armstrong limpou a má consciência da população americana branca, cujo racismo confinara o jazz, logo à nascença, ao gueto das músicas folclóricas, mais ou menos “exóticas”. A música de “Satchmo”, se não aboliu inteiramente os preconceitos, obrigou pelo menos a que todos reparassem nela.
            De New Orleans, cidade-berço de “Satchmo”, para Chicago, onde ele e outros jazzmen representativos do jazz de New Orleans se instalaram para melhor fazer passar a sua mensagem de afirmação, por enquanto sobretudo estética, mas também por motivos económicos, Armstrong lançou as raízes do jazz clássico. A emancipação chegaria mais tarde.
            Depois de passagens pela Creole Jazz Band, de King Oliver e da “big band” de Fletcher Henderson, onde permaneceu durante 13 anos, Louis integrou, a partir de 1925, pequenas formações, as Hot Five e Hot Seven, que, num período de quatro anos, entre 1925 e 1929, gravaram para o selo Okeh uma série de sessões que entrariam para a história.
            O presente pacote de reedições, remasterizadas e enriquecidas com um extenso rol de notas informativas, agrupa as sessões nos volumes 1 (Novembro de 1925 a Novembro de 1926), 2 (Novembro de 1926 a Dezembro de 1927) e 3 (Dezembro de 1927 a Dezembro de 1929) destas gravações, ficando, para já, de fora, um tomo-extra que abrange sessões que vão até Abril de 1930.
            A seu lado “Satchmo” tinha duas lenas do jazz de New Orleans, o trombonista Edward “Kid” Ory (que já o contratara para tocar corneta, ainda antes de entrar para o grupo de King Oliver. Ory seria entretanto substituído por John Thomas) e o clarinetista Johnny Dodds.
            Os Hot Five e Hot Seven trouxeram para o jazz o balanço do “swing”, lançando-o à cara da população branca, que aproveitou para dançar, imune por enquanto à carga ideológica que só mais tarde, com o advento do be-bop, outros músicos negros usariam como força motriz (os anos 30 seriam ainda os do “entertainment”, através do triunfo das “big bands”). “Satchmo” representava o humor e a alegria, o virtuosismo ao serviço de uma atitude onde o júbilo era uma constante, com “scat” vocal a pontuar fraseados na corneta, em que a criatividade e a arquitetura harmónica se conjugavam para afirmar a definitiva implantação do “blues” como alicerce sem o qual o jazz, daí para a frente, não poderia evoluir.
            O som de “New Orleans” (o banjo de Johnny St. Cyr estava longe de se remeter a um papel secundário) revolvia-se ainda num otimismo “naїf”, mas temas como “You’re next”, com a introdução classizante do piano de Lil Hardin (mulher do trompetista), apontavam já para novos horizontes.
            No volume 2, o som clarifica-se e a música ganha novos cambiantes. “Potato head blues” solta em definitivo “Satchmo” enquanto solista, através de uma “performance” onde o swing mostra como tudo se joga, não só no “drive”, como na sábia gestão dos intervalos. O “blues” impõe-se e “Satchmo” cultiva como ninguém o “vibrato” (“Wild man blues”, “Melancholy”), restituindo-lhe uma dignidade que os prazeres ingénuos do jazz de “New Orleans” não deixavam antever.
            Earl Hines entra no último período, quando os arranjos prenunciam já a necessidade de uma formação instrumental mais vasta e a consequente formação da “big band”. Com Hines (cuja interação com o trompetista/cornetista alguns comparam a Bud Powell, na transposição para piano das revoluções de Charlie Parker), os Hot Five alargam o seu espaço de intervenção.
            Quando Armstrong canta “Monday date” entra-se finalmente no território familiar daquele “wonderful world” que todos conhecem e a América transformou em espetáculo, pal mão do seu melhor embaixador. Com Louis Armstrong o jazz afirmou-se além-fronteiras e partiu à consquista do mundo.

LOUIS ARMSTRONG
The Complete Hot Five & Hot Seven Recordings, Volumes 1, 2 & 3
10 | 10


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