04/08/2020

Romantismo patológico [Tuxedomoon]


CULTURA
TERÇA-FEIRA, 9 NOV 2004

Crítica Música

Romantismo patológico

Jim Moray
Sábado, dia 6. Teatro Aveirense.
Sala a três quartos.
Tuxedomoon
Domingo, dia 7. Teatro Aveirense
Sala praticamente cheia.

Fez-se história em Aveiro no Festival Sons em Trânsito. No domingo, os norte-americanos Tuxedomoon deixaram estarrecida uma audiência repartida entre os que conheciam a obra do grupo dos anos 80 e os curiosos. Estes últimos devem ter deixado o Teatro Aveirense de cara à banda, de tal forma a atuação se afastou dos cânones normais de um vulgar concerto rock.
Depois dos Pere Ubu e dos The Residents ficou assim fechado o ciclo de apresentações em Portugal das mais estranhas bandas americanas que assolaram o planeta.
Não foi um concerto rock mas também não foi pop, muito menos “world”. Terá estado mais perto da “performance”. Sem bateria e com um alucinado quinto elemento encarregado da “mise-en-scène” visual a apontar uma lanterna aos músicos, os Tuxedomoon atacaram com “Luther blisset”, do novo álbum “Cabin in the Sky”. Logo aí ficou estampado um romantismo patológico pautado pelo trompete de Luc Van Lieshout e o violino, muito Velvet Underground, de Blaine L. Reininger, com Steven Brown a saltar do piano para o saxofone e Peter Principle a arrastar baixas frequências no baixo. Cada nova peça era mais bizarra que a anterior, de esventradas canções construídas sobre programações dementes – como uma brilhante versão de “Desire”, a sua obra-prima discográfica – a sequências instrumentais encaixadas entre o jazz, o cabaré galáctico e texturas ambientais. Os Tuxedomoon vestem várias peles, algumas delas em simultâneo. Num instante são um combo “mariachi” em combustão alucinatória, no outro uma constipação de Miles Davis ou uma dança decadente de Paolo Conte. Reininger cantou sobre l’amore, em italiano e, de de forma arrepiante, sobre a solidão – “Here comes loneliness” – e neste verso passou toda uma Europa exacerbada em néons e nostalgia. Como se não bastasse, o homem das imagens projetava no ecrã ícones de uma civilização ocidental perdida entre o consumismo e o colapso ou manipulava em tempo real filmes e efeitos visuais criados no momento, com bonecas “Barbie”, bonecos-caveira ou plasma líquido. Podemos pensar num novo psicadelismo ou, pela disparidade e alcance da visão, nuns Roxy Music sem o “glam” e com os pés bem fincados na “new wave”.
Chamados a dois “encores” e com a promessa de voltarem para o ano, nem mesmo assim os Tuxedomoon facilitaram, despedindo-se com uma derradeira dose de experimentalismo.
Perante isto, o concerto da véspera, da banda de Jim Moray, pareceu inócuo. Jim é um rapazote acabado de fazer 23 anos a quem a BBC premiou o álbum de estreia, “Sweet England”, e que em Aveiro foi apresentado como alguém que revolucionou a folk inglesa. É preciso não ter memória para dizer uma coisa destas. O que Moray faz é popfolk elétrico mas os verdadeiros revolucionários chamam-se Fairport Convention, Steeleye Span e Albion Band. Dito e feito, o rapaz repesca temas tradicionais como “Raggle taggle gypsy” (que saudades dos Planxty!) e “The cuckoo’s nest”, junta-lhes guitarras elétricas, piano e alegres programações, e o resultado até é agradável. Nalguns momentos fez lembrar Joe Jackson, noutros Richard Thompson (seu padrinho oficial) e no tema final, “Longing for Lucy”, conseguiu ser puerilmente tocante.

EM RESUMO
Os Tuxedoomon num concerto histórico. Por Aveiro passou uma das bandas mais estranhas do planeta

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