Pop
O INTRÉPIDO EXPLORADOR
City: Works of Fiction
LP e CD, Land
Cada dia que passa, o
planeta Terra torna-se mais pequeno. A aldeia global de que falava McLuhan
deixou de ser uma utopia (ou antiutopia, consoante a perspetiva...), para se
tornar uma realidade insofismável. Apesar disso, permanecem invioláveis (até
quando?) culturas e costumes desalinhados da grande metrópole totalitária em
que se vai tornando o monstro ocidental. Ao Terceiro Mundo e às regiões
exóticas do globo vai uma certa classe de músicos buscar inspiração e
orientação para a feitura de complexas síntese formais e conceptuais. Às
músicas das diferentes culturas regionais, únicas nas suas particularidades
intrínsecas, justapõe-se uma música do mundo, que, justamente, daquelas se
serve para a criação de unidades multifacetadas e surreais, o todo
transcendendo as partes que o integram. Música universal, juntando na mesma
viagem a eletrónica e o artesanato étnico, a emoção primitiva e o racionalismo
contemporâneo.
A partir da massa primordial e
informe das pesquisas iniciais, surgiu uma elite de compositores, capaz de
filtrar a imensidade de influências e fontes sonoras disponíveis e, de uma
forma coerente, produzir uma música para a qual a designação de “nova” não soa
despropositada. Roberto Musci & Giovanni Venosta, O Yuki Conjugate, Lights
in a Fat City e Jon Hassell encontram-se em fase avançada no processo de
análise/síntese seguido na concretização dessa “World Music” englobante e
planetária.
“City: Works of Fiction” é exemplar
quanto às intenções e aos métodos de trabalho. A cidade, lugar de concentração
e pluralidade cultural, simboliza neste caso o ponto de convergência,
cruzamento, feito de sínteses, deslocamentos e desfocagens, transcendente e
imanente na medida em que formaliza um impossível folclore universal, retirando
(graças às proezas técnicas do sampler) sons e pormenores de um espaço tempo
concretos para os reinserir em novos e diferentes contextos. Trabalho de
ficção, como o título alude.
Com este álbum, Jon Hassell aventura-se bem mais longe do que em anteriores trabalhos, por direções e atalhos virgens. Cada tema é acompanhado por um texto, também ele ficcional, inventando história e mitos para uma civilização existente somente nos mapas da imaginação, e desenvolvido musicalmente segundo lógicas que aliam o rigor matemático ao tribalismo tecnológico. O computador surge transfigurado em ícone primitivo, simulando sonoridades étnicas e ambiências naturais traficadas. Mais do que nunca, as sinuosidades em surdina do trompete são uma espécie de vento que passa sobre a selva, visão aérea das cidades dos prodígios. Tal qual a torre de Babel, “Works” combina uma profusão de linguagens díspares, como o funky, a música ambiental, o jazz, a eletrónica, o concretismo e folclores vários, num discurso complexo mas sempre articulado, sem que diversidade das fontes e dos meios resulte qualquer perda de unidade ou coerência. Ao contrário das “Possible Musics” dos primórdios em que o som do quarto mundo se quedava ainda como simples possibilidade, Jon Hassell encontra, com “City: Works of Fiction”, a chave e a passagem que permitem a entrada no novo universo a explorar.
VIDEODISCOS QUARTA-FEIRA,
15 AGOSTO 1990
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