13/05/2008

Canções para uma rapariga má [Nico]

Pop Rock

25 de Maio de 1994
REEDIÇÕES

CANÇÕES PARA UMA RAPARIGA MÁ

NICO

Chelsea Girl (6)
Polydor, distri. Polygram
The End (8)
Island, import. Contraverso

“Top model”, actriz secundária no filme de Fellini “La Dolce Vita”, figura-fetiche de Andy Warhol na bacanal “Exploding Plastic Inevitable”, presença insubstituível no clássico da banana dos Velvet Underground, referência mítica na cena dos malditos na passagem dos anos 60 para os 70 (Doors, Hendrix…), Nico personificou, na sua vida e na sua música, a própria imagem da tragédia. A “deusa da lua” – como um dia (ou uma noite) chamaram a esta diva teutónica de voz tão fria e cortante como o gelo – deixou para a posteridade uma obra inclassificável, que alguns consideram medíocre e interessante apenas na medida em que reflecte a aura de mistério que sempre rodeou este personagem cuja morte tornou ainda mais enigmática, e outros sublime. Nico incarnou a própria solidão. “Não canto para a audiência”, disse, “procuro manter-me tão solitária quanto possível… sem fazer o mínimo contacto”. Para esta intérprete (mais do que cantora, já que a sua voz, em termos técnicos, era bastante má) que todos citam, alguns hoje elegem como heroína mas cujos discos apenas uma fracção mínima de público conhecia e adquiria, o mais importante numa canção era a improvisação, o sentimento de ocasião provocado por uma nota ou uma melodia. Nico apreciava acima de tudo “canções tristes e trágicas”. Costumava cantá-las ao mesmo tempo que tocava um velho órgão de pedais. John Cale apadrinhou-a mas raramente soube compreender a fundo os abismos desta alma atormentada. Se “The Marble Index" é hoje considerado um dos álbuns mais impenetráveis na carreira da artista (sem esquecer o indispensável “Desertshore”, inspirado numa das várias colaborações, neste caso no filme “La cicatrice intérieure”, da cantora com o cineasta francês “underground” Philippe Garrel, com quem trabalhou também como actriz em “Le Berceau de Cristal”, sobre música de Manuel Gӧttsching) e os últimos “Drama of Exile” e “Camera Obscura” são aqueles que levaram pela primeira vez a um público mais alargado a música de Nico, é, contudo, em “Chelsea Girl” – reprodução no singular do filme documental de Andy Warhol, “Chelsea Girls” – que Nico surge verdadeiramente como intérprete de canções. Jackson Browne, John Cale, Lou Reed, Bob Dylan e Tim Hardin escreveram especialmente para ela. Nunca a voz desta alemã precursora do niilismo “punk” soou tão calorosa (nem tão desafinada…) e humana como nestas baladas em tons Greenwich Village nas quais Nico vestia, qual Judy Collins do inferno, as roupas “hippies” do avesso. As excepções são as duas longas elucubrações “It was a pleasure then” (composição sua que prenunciava os icebergues futuros) e “Chelsea girls”, com a mesma cadência que Nico imprimira aos temas mais lentos de “The Velvet Underground & Nico”. “The End”, pelo contrário é, em primeiro lugar, um disco de produtor, em que John Cale se entrega com entusiasmo à tarefa de colorir o registo vocal metálico e monocórdico de Nico com toda a espécie de embelezamentos instrumentais (baixo, xilofone, órgão, marimba, cabasa, carrilhão, piano…), para tal contando, ainda, com a ajuda de Phil Manzanera, na guitarra, e Brian Eno, nos sintetizadores. No mesmo ano em que os mesmos Cale, Eno e Nico se juntaram a Kevin Ayers para gravar o célebre disco ao vivo “June 1, 1974”. Nico ergue-se no meio desta panóplia sonora como uma rainha das trevas, culminando o seu reinado de dor e pesadelo numa versão petrificada de “The end”, dos Doors, e na releitura gótica da canção de exaltação patriótica dos nazis durante a Segunda Grande Guerra, “Das lied der deutschen” – derradeira provocação antes do oblívio.

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