02/05/2008

José Mário Branco

Pop Rock

29 de Maio de 1996
portugueses



JOSÉ MÁRIO BRANCO
Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades (10)
Margem de Certa Maneira (10)
A Mãe (8)
Ser Solidário (9)
Ed. EMI – Valentim de Carvalho

Lançados há pouco, “A Mãe” e “Ser Solidário” completam o primeiro pacote de reedições da produção integral de José Mário Branco, juntando-se às duas primeiras obras anteriormente colocadas à venda no mercado.
Mais que um acto de justiça feito a um dos maiores compositores, arranjadores e – porque não dizê-lo – intérpretes de música popular portuguesa de todos os tempos, a recuperação para o formato digital da sua obra (com a reprodução das capas originais e enriquecida pela escrita de Nuno Pacheco) vale como exemplo de uma atitude. Ao mesmo tempo, poderá e deverá servir de ensinamento e base de trabalho para toda uma geração de novos músicos que pretendam fazer algo mais do que simplesmente submeter-se às regras do jogo.
“Não te prendas a uma onda qualquer”, era o aviso, feito em 1982, em “Ser Solidário”. Se há uma lição a extrair do modo como o autor destes quatro álbuns sempre encarou a música, ela está na liberdade e no desafio que lhe permitiram livrar-se tanto do espartilho ideológico como de um esteticismo autoconvencido.
José Mário Branco, como José Afonso antes dele, apontou o único caminho que permite a verdadeira emancipação de uma arte onde o popular não se confunde com o popularucho, nem o acto interventivo com o gesto irreflectido. Didáctica, sem impor formas de conduta, aberta, na não exclusão preconceituosa de qualquer género musical, toda a obra do compositor aponta para a ruptura e para a auto-análise, essenciais para um movimento que se pretenda dialéctico. Não como círculo fechado em torno de um qualquer umbigo, mas como projecção num presente reinventado, sem dúvida, a partir da experiência pessoal. Um presente inserido numa realidade social que, mais que filtrada ou reproduzida através de meros processos de dobragem ou contemplação, se transmuta numa outra realidade, onde a poesia e o trabalho, a arte e a vida, a dor e a diversão, a raiva e a ternura deixam de ser veículos encapotados ao serviço de ideologias ou quaisquer outros tipos de manipulação.
Se “A Mãe”, álbum composto para uma peça de teatro da Comuna/Teatro de Pesquisa, constitui, dos quatro discos em questão, aquele onde o discurso surge mais conotado com uma visão partidária – o fabuloso incêndio de “F. M. I.” pode ser encarado como o equivalente musical de manifestos poéticos como a “Cena do ódio” de Almada Negreiros ou a “Ode triunfal” de Pessoa/Álvaro de Campos, nessa absoluta justaposição do sentir com o dizer – “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades” e “Margem de Certa Maneira” são o gosto pelo risco e a reinvenção de uma herança musical sem data nem fronteiras. São dois álbuns em que o sinfónico, o jazz, a tradição rural, a poesia trovadoresca, o rock, a canção libertária e o teatro (tantas vezes da crueldade…) se unem para dizer – e contradizer – o que deve ser dito, na conquista de mais espaço e liberdade para as palavras e para os sons que jamais se contentam com o que têm. Dois álbuns que, enfim, nos ensinam que o acto político mais forte e corajoso nasce da coragem de ser (e de parecer) o que se é.

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