14/05/2008

"Como um estudo geológico" [Hector Zazou]

Pop Rock

28 de Setembro de 1994

“COMO UM ESTUDO GEOLÓGICO”

Hector Zazou regressa a Portugal. Desta vez, trazendo consigo Harold Budd e a ex-vocalista dos Passions, Barbara Gogan. Autor de uma obra diversificada, Hector Zazou explicou ao PÚBLICO o sei interesse por toda a espécie de mestiçagens musicais.


PÚBLICO – Os seus primeiros discos – “Barricades 3” e “Traité de Mecanique Populaire”, com os ZNR – são bastante diferentes de tudo o que fez depois. Como encara hoje esses trabalhos?
HECTOR ZAZOU – São dois discos um pouco desajeitados mas têm o seu “charme”. O que se pode chamar obras de juventude. “Barricades 3” é muito amador. Ao segundo ouvi-o recentemente e encontrei, lá dentro, coisas interessantes mas que, em comparação com o que se fazia na época, soa demasiado acústico e trabalhado.
P. – A entrada para a editora belga Made To Measure implicou mudanças na sua direcção musical?
R. – Os discos que gravei nessa editora [“Reivax au Bongo”, “Géographies” e “Géologies”] são todos diferentes. “Géographies” e “Géologies” deveriam fazer parte de um tríptico cuja terceira parte não existe nem existirá. A ideia era partir dos instrumentos acústicos para chegar à electrónica. Em “Géographies”, praticamente não existem sintetizadores. “Géologies” já mistura os sintetizadores com os instrumentos clássicos. O terceiro volume deveria ser completamente electrónico, com alguns, poucos, elementos clássicos.
P. – Nas capas de “Géographies” e “Géologies”, pode ler-se respectivamente « feito à medida para eliminar a teoria do pós-modernismo” e “feito à medida para um estudo de estratos de sentimentos”. Estava a brincar ou a falar a sério?
R. – É uma brincadeira em “Géographies” e talvez algo mais sério em “Géologies”. Gosto da palavra “strate”, sinónimo de “couche” [“camada”, “leito”] como num estudo geológico, quando nos apercebemos, ao escavar, de diferentes estratos do solo que permitem determinar a sua idade. Era isso que me interessava, ter uma camada de instrumentos acústicos, uma camada de instrumentos electrónicos e, desta maneira, escavar e penetrar um pouco no passado.
P. – Há uma faceta cinematográfica no seu trabalho. Fellini, Antonioni…
R. – Sim, embora não tenha qualquer relação directa com o cinema. Adoraria ter composto música para Fellini mas ele já tinha o Nino Rota, que o fazia decerto melhor que eu… Não há nenhum outro realizador que me faça desejar trabalhar com ele. Talvez o único seja Hal Hartley, um jovem cineasta americano, algures entre Jim Jarmusch e Jean-Luc Godard.
P. – “Reivax au Bongo” é a mais estranha das suas experiências com a música africana…
R. – É, de novo, um disco de misturas – no fundo, o que me interessa: a mestiçagem. Encontrar portas de comunicação. Em “Reivax”, tratou-se de misturar “Noir et Blanc” e “Géographies”, num lado, e, no outro, a música electrónica, algo na linha do que poderia ser a terceira parte da tal trilogia, com uma cantora clássica.
P. – Não acha que, em comparação com esse ou “Noir et Blanc”, dois dos discos que gravou com Boni Bikaye, “Guilty”, um disco de música de dança, soa bastante maia vulgar?
R. – É preciso ter em conta que a dupla Zazou-Bikaye começou por um acaso. “Noir et Blanc” é um disco totalmente espontâneo. Em seguida, Zazou-Bikaye tornou-se um grupo com actuações ao vivo. Verificámos que as pessoas se levantavam e dançavam. O grupo começou progressivamente a incorporar ritmos cada vez mais evidentes na música, que, deste modo, se foi tornando progressivamente menos interessante. Por essa razão, decidi que o grupo devia terminar. “Guilty” é um disco que deve muito a artistas como Prince, que, nessa época, tinha acabado de editar “Sign of the Time”, um disco que adoro. Tentei encontrar na produção um som e texturas parecidas…
P. – Como conseguiu juntar tanta gente importante no projecto “Nouvelles Polyphonies Corses” e, posteriormente, em “Sahara Blue” [a lista é interminável: Cale, Sakamoto, Jon Hassell, Ivo Papasov, Manu Dibango, Sammy Birnbach, Khaled, Tim Simenon, Bill Laswell, Sussan Deyhim, etc]?
R. – Estavam todos interessados e já conheciam a minha música. Nas polifonias corsas, em que a regra é o canto “a capella”, toda essa gente quis participar a acrescentar vários acompanhamentos instrumentais. Dei-lhes toda a confiança.
P. – Como nasceu a ideia de musicar Rimbaud, em “Sahara Blue”?
R. – Foi uma proposta do Ministério da Cultura, que organizou uma exposição no centésimo aniversário da morte de Rimbaud. A partir daí, comecei a trabalhar com Ryuichi Sakamoto e David Sylvian. Quando a exposição terminou, como gostámos bastante do que tínhamos feito, perguntámo-nos: “Porque não continuar e fazer um disco com mais gente?”
P. – A troca de David Sylvian pelos Dead Can Dance, por razões contratuais, na segunda versão de “Sahara Blue” foi uma solução de recurso?
R. – Não! Tenho uma lista de todas as pessoas com quem quero trabalhar!
P. – Harold Budd faz, evidentemente, parte dela?
R. – Claro! Vai tocar piano e dizer poemas. Vão estar comigo também um saxofonista e clarinetista, Renault Pion, e a cantora Barbara Gogan, que fará sozinha a primeira parte e, na segunda, irá cantar provavelmente dois temas de “Sahara Blue”.


DIA 30, Aula Magna, Lisboa, 22h
DIA 1, Cinema do Terço, Porto, 22h
Primeira parte: Barbara Gogan

2 comentários:

Anónimo disse...

As críticas que vão sendo publicadas são apenas as do Público? É que o Fernando Magalhães escreveu um artigo extraordinário, salvo erro no «Blitz» sobre música (de inspiração) tradicional portuguesa cujo título é, se a memória me não falha, «A hora do rancho» que foi, para mim, o artigo mais espantoso que li dele. Eu tenho esse artigo guardado, é só uma questão de procurar. Também o posso colocar no meu blog, mas não sei se preciso da autorização de alguém e, aqui, sempre tem mais impacto.

Tiago Carvalho disse...

tenho guardados alguns Blitzs mas não sei se o artigo que falas está lá. Se quiseres procurá-lo, tenho todo o gosto em publicar. sempre era uma ajuda...!