02/06/2008

Revelação definitiva [Genesis]

Pop Rock

21 de Setembro de 1994
REEDIÇÕES

REVELAÇÃO DEFINITIVA

GENESIS

Trespass (7)
Nursery Cryme (9)
Foxtrot (8)
Genesis Live (6)
Selling England by the Pound (9)
The Lamb Lies Down on Brodway (10)

Virgin, distri. EMI – VC

Após um primeiro esboço onde se traçavam já as futuras directrizes musicais do grupo, num álbum gravado para a Decca, “From Genesis to Revelation”, os Genesis arrancaram em força com “Trespass”. Anthony Phillips desempenhava, nessa altura, as funções de guitarrista que, no álbum seguinte, seriam atribuídas a Steve Hackett. Ainda preso a determinados “clichés” típicos da música da época, “Trespass” já apresenta, porém, a marca inconfundível do som Genesis: “suites” instrumentais em que pontificavam os teclados de Banks, textos em que o “nonsense” se cruzava com imagens medievais, apontamentos do quotidiano citadino e uma violência que, nos álbuns seguintes, se atenuaria e aqui explode no tema final “The Knife”.
“Nursery Cryme”, já com Hackett no lugar de Phillips (após o abandono, tem seguido uma carreira a solo interessante e prolixa, imbuída do espírito que caracterizou toda a primeira fase da banda, anterior a “The Lamb Lies down on Brodway”), é o primeiro grande momento dos Genesis. Cada canção conta uma história, colorida com as cores de uma imaginação que mergulhava no mundo das fábulas e da simbologia de uma Inglaterra surreal e vitoriana. “The musical box” é um tratado de humor negro onde o crime e o sonho brotam de uma caixinha de música assombrada. “For absent friends” aflora com pudor o encontro de duas solidões numa igreja deserta. “The return of the giant Hogweed” surpreende os terrores de mescalina perante a ameaça de um gigante vegetal. “Seven stones” é uma narrativa trágico-marítima e “Harlequim” uma alucinação em tons de ópio, fechando o álbum com uma incursão no mundo das fadas, andróginos e outros seres do “outro lado”, em “The Fountain os Salmacis”. Sobre os teclados de Banks, de onde se destacava a solenidade orquestral do “mellotron”, as guitarras de Hackett rivalizavam então com as de Steve Howe e Robert Fripp, dos Yes e dos King Crimson, intrometendo-se, de acordo com as exigências do ambiente, a flauta e o oboé manuseados por Gabriel com a simplicidade ingénua de uma criança.
Álbum de excessos, “Foxtrot” foi o primeiro a conseguir bons resultados em termos de vendas no Reino Unido. Nele, os Genesis perderam – apenas no primeiro lado, atenção! – um pouco o controlo dos acontecimentos, na tentativa algo frustrada de conciliarem opostos cada vez mais irredutíveis, que iam do medievalismo de “Timetable” à crítica social de “Get ‘em out by Friday”. Mas o segundo lado, ocupado na íntegra pela “suite” “Supper’s ready”, é uma obra-prima. Viagem entre um jardim de uma moradia nos subúrbios e o apocalipse, “Supper’s ready” – dividida em diversas partes cujos títulos só por si excitavam a imaginação – é, para quem souber aqui descortinar os sinais e a lógica, uma “trip” de ácido. A voz de Gabriel desmultiplica-se numa infinidade de registos que apenas encontraria paralelo no álbum seguinte, no tema “The battle of Epping forest”, onde a diversidade de timbres e inflexões vocais atinge o absurdo.
Em “Selling England”, os Genesis recuperam a calma, embora o caleidoscópio de imagens e emoções abrangesse temáticas cada vez mais diversificadas. Em termos de virtuosismo instrumental, a banda estava no auge, explorando ao máximo as possibilidades de todos os instrumentos, com destaque, de novo, para Tony Banks, que em “Aisle of plenty” mostra as suas capacidades de pianista, sendo este o álbum em que o teclista utiliza pela primeira vez e explora em pleno as possibilidades do sintetizador Moog. “More fool me” é cantada por Phil Collins, até então apenas um baterista competente em quem ninguém suspeitaria existir qualquer sede de poder, e “The Cinema show”, marcado por um romantismo hollywoodesco, abre às portas à viragem de 180 graus que os Genesis empreenderiam no álbum seguinte, o duplo “The Lamb lies down on Brodway”, ponto culminante da visão poética de Peter Gabriel.
Marcado por contrastes violentos e sonoridades estranhas, aproveitando ao máximo os efeitos de estúdio, “The Lamb Lies down on Brodway” narra, por vias sinuosas, o percurso de autoconhecimento de Rael, um porto-riquenho que era então o “alter ego” de Peter Gabriel. De forma ainda mais explícita que no tema “Supper’s ready”, desta feita é todo o duplo álbum que corresponde a uma viagem de ácido – neste caso, uma “trip” mais vasta e armadilhada, onde o caminhante interior se arrisca a ficar pelo caminho se acompanhar demasiado perto as peripécias da personagem principal. A chave desta interpretação lisérgica pode ser encontrada, ainda e sempre, na condição por quantos romperam o véu, já perto do final, num tema ao mesmo tempo enigmático e evidente: “It”. Claro que, neste “it”, é lícito ver tudo, mas é precisamente nesse “tudo” que se abrem e fecham as múltiplas portas de entrada e saída de “The Lamb lies down on Brodway”, um dos álbuns mais importantes da década de 70. Depois, foi o que se viu: o grupo tornou-se progressivamente numa caricatura de si próprio e mesmo Gabriel, perdida a embalagem dos primeiros quatro álbuns a solo, está também a ficar gagá e a preferir outro tipo de viagens – num iate, com Claudia Schiffer.
As presentes reedições, incluindo ainda o álbum ao vivo “Genesis live” – que nada acrescenta (antes subtrai) à magia do grupo –, são “remisturas definitivas” efectuadas a partir das “masters” originais, com qualidade técnica bastante superior às versões anteriormente disponíveis no mercado e, ao contrário destas, reproduzem as capas de origem na íntegra. Apenas apetece perguntar: não teria sido possível fazer isto antes, em vez de se “obrigar” o consumidor a nova reciclagem?

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