05/05/2009

Madredeus - O Paraíso

Sons

3 de Outubro 1997

Madredeus
O Paraíso (8)
Ed. e distri. EMI – VC


Onde fica o paraíso? Em Itália, onde o disco foi gravado? Em Portugal, depois que o menino vier trazer o Quinto Império? No coração dos músicos do grupo? Num comprimido para dormir? As respostas não são, nunca foram, fáceis, quando se trata dos Madredeus. Talvez tudo funcione como um palimpsesto, com níveis de compreensão sobrepostos (ou concêntricos), cada um escondendo e revelando o anterior, numa progressão até ao âmago da música do grupo. Entre o fogo e o vazio. Numa primeira camada, superficial, “O Paraíso” apresenta-se como uma música simples, destinada a descontrair, muito próxima da “new age” e do “easy listening”. Neste aspecto, os arranjos de teclados de Carlos Maria Trindade são exemplares de contenção. Nem a permanente serenidade com que as guitarras de Pedro Ayres e José Peixoto se cruzam para dizer a saudade sugere que na alma destes músicos alguma onda mais alterosa se levante. E, no entanto, algo nos toca. Talvez seja este o principal defeito e a principal qualidade da música dos Madredeus. A proximidade excessiva, a familiaridade com que escutamos estas melodias que parecem nascer dentro de nós. Torna-se fácil distrairmo-nos, olhar para lá do horizonte, reduzindo a música à banda sonora de um sonho. O efeito é o mesmo que provocava a “ambient music” de Brian Eno, uma música na qual se podia entrar e sair a qualquer momento. O fado, ou a morna, em “Andorinha da Primavera” e “Não muito distante”, suspenso nas notas de um falso vibrafone, a influência clássica na suave descida de meios-tons (como em “A tempestade”) em “Claridade”, a canção popular salpicada de maresia e de Renascimento, em “A praia do mar”, a “new age” pura de “À margem”, a valsa de cristal de “Carta para ti” estão unidos numa estética que, cada vez mais, se aproxima da sua essência: O Tempo (sem querer meter Abrunhosa ao barulho…), omnipresente em cada faixa. O Presente, o Passado e o Futuro, o tempo perdido, a passagem ou, pura e simplesmente, a sua suspensão. O perigo, já o dissemos, pode estar na excessiva ternura do embalo, mas, se outras delícias não tivesse para nos oferecer, “O Paraíso” revela-se, de facto, não só nas “Coisas pequenas”, mas, sobretudo, em quatro canções que entram directamente para a lista de clássicos de sempre da música portuguesa: “Os dias são à noite”, “A tempestade”, “O fim da estrada” e “O sonho”, em que a força da composição se casa com rara felicidade com as vocalizações de uma Teresa Salgueiro em estado de graça.

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