19/08/2014

"O piano dá mais luz às músicas" [Rodrigo Leão]



Sons
13 Outubro 2000

Rodrigo Leão no seio de “Alma Mater”

“O piano dá mais luz às músicas”

Rodrigo Leão está de volta abraçado à “alma mãe”. Fechadas as portas do “Theatrum”, o antigo teclista dos Madredeus regressa com “Alma Mater”, música luminosa num álbum recheado de surpresas, com participações vocais de Adriana Calcanhoto e Lula Pena.

            Foi há dois anos que Rodrigo Leão começou a preparar “Alma Mater”. Pelo meio meteram-se os Sétima Legião e “Sexto Sentido” – “um trabalho que me tirou para aí uns seis meses, demorou mais tempo a fazer que o ‘Theatrum’” – e trabalho de estúdio, “muito acústico”, e de casa, “uma fase mais eletrónica”. “Alma Mater” apresenta duas facetas musicais distintas que, no entanto, se entrecruzam como se fosse a única maneira de fazerem sentido. Uma mais “leve” e “new age”, pintalgada pelos toques pianísticos da escola impressionista francesa, à chuva, com Erik Satie, outra mais densa e “de câmara”, na sequência da anterior obra de Rodrigo Leão.
            “’Theatrum’ encerrava um capítulo iniciado com ‘Ave Mundi Luminare’, com o ‘Mysterium’ pelo meio. Senti logo nas primeiras composições deste novo trabalho uma necessidade inconsciente de sair daquela densidade toda, de uma coisa muito mais maquinal”, explica Rodrigo Leão, destacando neste seu novo disco o seu caráter “melódico” e a sua “simplicidade”.
            Na época em que gravou “Theatrum”, Rodrigo atravessava uma fase negra da sua vida. “Alma Mater” corresponderia então a um período solar? “A minha vida tem muito a ver com a música que faço”, anui. “Senti necessidade de me afastar do ‘Theatrum’.” Um afastamento do teatro que implica deitar fora as máscaras. “Alma Mater” é um álbum transparente.
            Mais do que nos anteriores álbuns, o piano faz-se ouvir com a transparência do cristal. “Nos outros álbuns havia muitas coisas em piano que eu depois achava que eram de mais e acabava por mudar, enquanto neste acabaram por ficar. O piano dá mais luz às músicas.” Embora, neste caso, não se trate de um piano de cauda mas de um registo simulado no sintetizador. E há um sample de uma voz africana, em “Orionte”.
            “New age”. Um termo redutor. Rodrigo Leão não se sente incomodado. “Em Espanha, os meus trabalhos anteriores foram catalogados de ‘new age’, nos outros países foi arrumado na música clássica. Não me preocupo muito com isso, arrumarem a música que faço nalguma corrente.”
            Uma dessas correntes é o tango. Dois temas de “Alma Mater” chamam a música do país de Gardel. Um deles, “Pasión”, vocalizado pela cantora convidada, Lula Pena. “Sou um admirador da obra de Piazzolla”. “’Passión’ já tinha uns cinco anos, era um instrumental, um tema alegra que contrastava com a melancolia dos outros todos. Foi já muito mais tarde que pensámos em pôr uma voz. A Lula Pena gostou do tema…”
            Adriana Calcanhotto canta em “A casa”, com poema de Ana Carolina, atual companheira do músico. Já tinha sido cantado em português, Rodrigo Leão não gostou. “Fazia lembrar um bocadinho Madredeus.” Mas como “faz lembrar, também um bocadinho, bossa nova”, Rodrigo Leão lembrou-se de alguém brasileiro para cantar. “Primeiro pensei no Caetano Veloso mas este ano fiquei a conhecer melhor a obra da Adriana, praticamente todos os discos dela, estabeleci o contacto e fui a correr até ao Rio de Janeiro…” O terceiro convidado especial de “Alma Mater” é o guitarrista português Pedro Jóia, especialista em flamengo. Em “Sossego” poderá avaliar-se em pormenor o seu estilo na guitarra clássica num tema pautado por uma melancolia e cadência muito satieanas.
            “Dragão” está a um pequeno passo de poder ser dançado. “É um bocadinho Sétima, depois de ter sido uma música mais a ver com os Joy Division. Tinha só tambores mas depois, na mistura, não funcionou. Acabámos por optar por uma coisa mais simples.”
            De “Theatrum” para “Alma Mater” ficou, pelo menos, o título em latim. Este é metade português, metade latim, mas é um título que, por si só, já tem luz, tem muitos ares. É a mãe criadora, o sítio onde os antigos aprendiam a sabedoria. Para mim, simbolicamente, uma fonte de inspiração.”
            Qum quiser partilhar com Rodrigo Leão e os Vox Ensemble esta sabedoria poderá fazê-lo já esta noite na festa de entrega dos Prémios Blitz.

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