13/08/2014

Tindersticks - Curtains



20 de Junho 1996
POP ROCK

Paixões de chita

Tindersticks
Curtains
THIS WAY UP, DISTRI. POLYGRAM

“Oh, for the glamorous life!”, derrete-se o crítico do NME. O do Melody Maker desfaz-se igualmente em maneirismos, concedendo-se o luxo das lágrimas. Mariconsos! Eles, os Tindersticks, motivo de tantos soluços e deslumbramentos, são a noite, “onde nada acontece, mas de uma forma maravilhosa”, a solidão do celulóide, Hollywood e Londres abraçadas num amplexo de dona de casa arranjada para sair, as cordas encharcadas em grandiosa futilidade, o easy listening” disfarçado de dor e, acima de tudo, chafurdando numa imensidão de superior autocomplacência, o “crooning” que faz desfalecer os corações, de Stuart Staples.
Já tínhamos ouvido esta conversa mole, antes. Periodicamente, há quem não resista, nem queira, à tentação de mergulhar nestes universos artificiais mais brilhantes, embora tantas vezes mais monótonos, do que a realidade. Bateram-se palmas aos Roxy Music (mas não confundamos, estes senhores arriscavam), como se bateram a Marc Almond, e se continuam a bater aos Divine Comedy. Enfim, a tendência é para se ficar embasbacado com a pose, na música como no resto.
A música dos Tindersticks, se lhe subtrairmos – é preciso reconhecê-lo – a sua indubitável capacidade de sugestão e arrancarmos o seu brilho noturno de lantejoulas, é um amontoado de clichés. A sua falsa escuridão interior e o seu “pathos” são cuidadosamente encenados e embalados num invólucro de seda. Mas a alma dos Tindersticks é feita da chita da capa, ondes as flores ostentam cores foleiras e as emoções saem amarrotadas. São fox trots e rumbas cheias de estilo, baladas acetinadas como as do Nick Cave recente e convertido, iluminações aprendidas dos infernos obscuros de Scott Walker e Leonard Cohen.
Nesta cadência morna, os Tindersticks vão levando a água ao seu moinho. A todo o momento nos confessam que nada do que dizem e mostram é verdadeiro. “Quando é que se perde a habilidade de parar para ter a noção do nosso próprio ridículo? Afinal de contas, não passam de canções...”, canta Staples em “Ballad of the Tindersticks”, fazendo uma síntese lúcida da estética do grupo. É uma música confortável, toda ela a piscar estilo e classe, uma música que tanto serve para vestir para uma sortida nocturna, como para nos embrulharmos com ela, como um cobertor, antes de irmos para a cama sonhar.
O despertador toca em dois momentos. A cortina afasta-se para revelar sinais de vida. Ainda há sobressaltos no manto de estrelas de ‘polyester’ dos Tindersticks. Em dois temas que redimem “Curtains” da sensaboria solene com que finge ser clássico: “Fast One”, em que as notas subitamente entram numa convulsão de dissonância apaixonada, e “Bearsuit”, um delicioso passo de equilibrismo vocal sobre um órgão de realejo. Mas são duas ilhas, num mar morto onde os espectros se deixam ficar eternamente a dançar. (6)

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