16/02/2018

ENSEMBLE TRE FONTANE - L'Art Des Jongleurs, Vol. 2 + Guillaume de Machaut & Le Codex Faenza


Pop Rock

13 Julho 1994
WORLD

DO ANTIGO PARA A INOVAÇÃO

ENSEMBLE TRE FONTANE
L’Art de Jongleurs, vol. 2
(10)
Guillaume de Machaut & Le Codex Faenza
(8)
Alba Musica, distri. Megamúsica

Desculpem-me os leitores estes desvios, mas o facto é que nos últimos tempos as gravações mais interessantes têm aparecido na área das chamadas músicas antigas. É claro, na folk, as coisas não param, só que muitos discos, alguns deles brilhantes, não chegam ou ainda não chegaram aos nossos distribuidores.
Mas regressemos às “velharias” e a dois discos de um grupo, os Ensemble Tre Fontane que, feitas as contas e assimilados os sons, não anda longe na atitude de algumas formações atuais da folk europeia.
Sobretudo no segundo volume de “L’Art des Jongleurs” (o primeiro, que não conhecemos, incide na tradição vocal trovadoresca), o tratamento das fontes utilizadas sofre deslocações subtis que aproximam a música antiga a formas musicais e de sensibilidade contemporâneas um pouco à maneira do que acontece nesse monumento definitivo de abolição de tabus e fronteiras estéticas no tempo que é “Carmina Burana” segundo os Clemencic Consort.
No caso dos Tre Fontane – um trio originário do Sul de França, região trovadoresca por excelência – e em particular no primeiro e mais antigo dos discos em análise, são as percussões soltas e evidenciando uma espontaneidade muito própria do universo folk a fazerem a diferença.
Incidindo sobretudo no reportório instrumental da Idade Média, os Tre Fontane desenvolvem aqui, como na quase totalidade do disco posterior, a música anotada no Codex Faenza, descoberto em 1939, documento de primordial importância para o estudo e aprofundamento das técnicas interpretativas da música medieval. Às peças (baladas e “virelais”) de Guillaume Machaut, séc. XIV, músico e poeta considerado um dos melhores e mais representativos compositores no estilo da “ars nova”, juntam-se as “estampies” italianas, em voluntária acentuação de características comuns. Da audição de todas elas sobressai um sentimento de hedonismo exacerbado em que os sentimentos, da amargura mais profunda à exaltação amorosa, assumem proporções exageradas, pelo menos para a nossa triste e apagada maneira de sentir. A natureza, as voltas da roda do destino, a vida vivida em pleno, transformam-se em fonte de prazer constante. A música reflete essa “joie de vivre” e exacerbação da arte ou do amor cortês levados a um refinamento e elegância de linguagem sem precedentes na chamada “ars antiqua”, anterior historicamente à “ars nova”.
Faixas como “Tre fontane” ou as duas baladas de Machaut, exemplos de maior volúpia sensitiva numa obra que toda ela um jardim de flores no esplendor máximo da fragrância e da cor – “Dame comment…” e “Dame ne regarde pas…” são de molde a transformar por dentro quem as ouve.
Centrada quase exclusivamente nas obras de Machaut, a última produção até ao presente dos Tre Fontane é mais contida, dando a entender uma preocupação maior de fidelidade às fontes consultadas e uma contenção de estilo que se prolonga pela própria instrumentação, aqui limitada à sanfona, falutas de bísel, alaúde árabe e “sordun” (ou “sourdeline”, instrumento de palheta dupla de sonoridade aparentada ao fagote com um “vibrato” semelhante ao da gaita-de-foles), enquanto em “L’ Art des Jongleurs, vol. 2” se estende pela exuberância, além dos instrumentos citados, da “chamelie” (outro instrumento medieval de palheta dupla), bombarda e várias percussões (bendir, darbouka, tablas, tamborim, etc.). Entenda-se então a afirmação de Jacques Berque, aplicável por inteiro à música dos Tre Fontane: “A autenticidade não está na repetição exaustiva do antigo, mas sim no restabelecimento do antigo através da inovação”.

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