08/09/2020

Natal é tradição [Jazz]

JAZZ
DISCOS
PÚBLICO 18 DEZEMBRO 2004

Natal é época de paz. Por isso, nas nossas propostas de prendas, apenas o bom velho sabor da tradição.

Natal é tradição

Louis Armstrong
What a Wonderful World
CD + DVD Milan, distri. Universal
Foi um dos pais do jazz e dá-se bem com o Pai Natal. O seu jazz festivo vai bem com a quadra e “What a Wonderful World” oferece motivos de sobra para agradar aos apreciadores de jazz mais tradicional. Mesmo se o mundo não é tão maravilhoso assim, a música de Armstrong é-o. São dois CD, um para ouvir, com um punhado de clássicos e participações de Ella Fitzgerald, Louis Jordan, Bing Crosby, Jack Teargarden e os Mills Brothers, e um DVD para ver. Neste último encontram-se 35 minutos de filme dos arquivos do Hot Club de França, “The Young Louis Armstrong”, dois “sketches” para cinema, o “medley” “Hello Louis”, com Danny Kaye e Katharina Valente presentes na celebração dos 53 anos de carreira de “Satchmo”, “On the Mark Twain”, sessão filmada e gravada a bordo do navio com este nome, e “Eternal Louis Armstrong”, um dos derradeiros concertos, filmado para a televisão alemã em 1969. Música e imagens felizes.

Carol Sloane
Whisper Sweet
HighNote, distri. Zona Música
No meio dos “carols” natalícios destaca-se uma Carol a sussurrar-nos docemente canções de amor. Carol furou nos anos 60, na Columbia, a concorrência de Bob Dylan e Barbra Streisand. Gravou álbuns de canções que já tinham passado pelas vozes de Cármen McRae (de quem foi amiga), Frank Sinatra, Ella Fitzgerald (de quem também foi amiga) e Louis Armstrong. “Whisper not”, tema dos anos 30 do pianista “stride” James P. Johnson, encontrado num álbum de Jimmy Rowles, serviu de mote a esta sessão efetuada em Nova Iorque a seguir a uma estada de seis noites no Village Vanguard. Carol toma toda a série de liberdades com as melodias, mas a doçura do seu vibrato confere um sabor especial a canções tão belas como “More than you know” e “You brought a new kind of love to me”. Norman Simmons, no piano, e Paul Bollenback são desenhadores à altura e Grady Tate dá lições de suavidade na bateria. Dê folga às Kralls e Monheits e tome nota desta Carol.

Django Reinhardt
L’Or de Django
2xCD Dreyfus, distri. Megamúsica
O “swing” melancólico deste guitarrista cigano que viveu entre 1910 e 1953 pode causar estados de profunda introspeção, mas a sua beleza, quase intangível, pode servir de “chill out” ao coração fatigado pelo lado mais consumista do Natal. Este “ouro”, agora editado em “mastering” de 24 bits, foi recolhido em Paris nos anos 30 e 40 com a participação de músicos da orquestra de Duke Ellington e inclui dois temas (“Ride red ride” e “A blues riff”) de um concerto de Duke em Chicago com Django como solista convidado. Mas a grande maioria dos temas e os que nos levam de arrasto são aqueles em que o guitarrista “manouche” tem a seu lado o violinista, também francês, também cigano, Stephane Grappelli, com quem formou o histórico quinteto do Hot Club de França. Há sempre uma nota cinzenta na música de ambos, mesmo quando, levados pelo “swing”, parecem duas crianças acabadas de sair do paraíso.

Herbie Mann
Caminho de Casa
Chesky SACD, distri. Megamúsica
Casa é onde o coração está, costuma-se dizer. O coração do flautista Herbie Mann está em muitos lugares, em África, no Japão, na Europa, em Cuba e, principalmente, no Brasil — “Entre todos o lugar que mais me toca o coração” — até onde viajou pela primeira vez em 1961. Aí descobriu o lirismo de uma música que combinava, diz, “melodias incríveis”, “harmonias maravilhosas” e um “ritmo fervilhante”. Mann voltou ao Brasil no ano seguinte e gravou Sérgio Mendes e o sexteto Bossa Rio. Na gravação esteve presente um tal Tom Jobim que pela primeira vez abriu a boca para cantar “Samba de uma nota só”. A atração pelo Brasil manteve-se intocável e, depois de colaborações com Nana Vasconcelos e Claudio Roditi, Mann gravou este “Caminho de Casa” em 1990 com músicos americanos e brasileiros, no grupo denominado Jasil Brazz, Brasil e jazz. As composições são de Nélson Ayres, Dori Caymmi, Roberto e Erasmo Carlos, Moraes Moreira/Fausto Nilo, Milton Nascimento e Ivan Lins, em quem o flautista viu uma evolução harmónica mais complexa relativamente a Jobim. Neste caminho a bossa nova passa como uma brisa, saudavelmente recriada por uma das flautas mais doces e aéreas do jazz.

Chet Baker & Gerry Mulligan Quartet
The Original Chet Baker & Gerry Mulligan Quartet
4xCD Disconforme, distri. Trem Azul
Chet tocava trompete como se ingerisse açúcar envenenado. Mulligan mantinha a serenidade, mesmo nos maiores abismos do seu saxofone barítono. O trompetista, com o seu melodismo quase soporífero, era um dos “enfants terribles” do “cool”. Mulligan, depois da sua colaboração com Miles Davis e Gil Evans em “Birth of the Cool”, tornou-se igualmente uma das figuras de proa do “som West Coast”. Sobre ele afirmou Dave Brubeck, outro dos heróis do “cool”, que “ao ouvi-lo se sente como se o passado, o presente e o futuro do jazz funcionassem ao mesmo tempo”. Juntaram-se os dois num quarteto sem piano que fez história em 1952/53 e cuja totalidade de gravações, ao vivo e em estúdio, constam da presente reedição. Também incluídas estão sessões do trio e do “tentette” (com Bud Shank) do saxofonista, bem como a participação de Lee Konitz, Chico Hamilton e Red Mitchell. “Toco cada ‘set’ como se fosse o último da minha vida”, disse o trompetista. Mulligan foi o seu contraponto perfeito nesta colaboração tão curta como mágica.

Vários Artistas
Blues Jam in Chicago, vols. 1 & 2
Blue Horizon, distri. Sony Music
Antes de serem uma aberração abençoada pelo “mainstream” e pelas estações de rádio FM, os Fleetwood Mac eram uma banda de blues progressivo e fantasmagórico e antes de serem “progressivos” e “fantasmagóricos” eram apenas uma banda de “blues” sem outros adereços. Toda a fase inicial da sua discografia, “Fleetwood Mac”, “The Original Fleetwood Mac”, “Pious Bird of Good Omen”, é constituída por um honesto “blues” branco que, se não chegou a fazer história como o de John Mayall, escavou bem fundo as fundações do que haveria de se seguir. Nessa linha, os membros do grupo, Peter Green, Danny Kirwan, Jeremy Spencer, John McVie e Mick Fleetwood, juntaram-se numa sessão em 4 de Janeiro de 1969 com os genuínos “bluesmen” da editora Chess, Otis Spann, Willie Dixon, Shakey Horton, J.T. Brown, Buddy Guy, Honeyboy Edwards e S. P. Leary. E foi assim que durante um dia os Fleetwood Mac se transformaram numa banda de “blues” negro.

Joel Xavier & Ron Carter
In New York
Ed. JXP
Ron Carter, o mítico contrabaixo americano convidado a participar nesta sessão realizada em 24 de Setembro deste ano com o guitarrista português, afirmou que, poucas vezes, ao longo da sua longa carreira teve encontros que lhe proporcionassem tanto “divertimento” e “gratificação musical” como este. É bom ouvir destas coisas para o ego deste guitarrista, que gravou “Latin Groove”, com Michael Camilo, Larry Coryell e Arturo Sandoval, “Lusitano”, com Richard Galliano e “Lisboa”, com Toots Thielemans. Galliano e Thielemans também não lhe poupam elogios. A sessão nova-iorquina decorreu com serenidade, discorrendo entre o jazz mais suave, o novo tango e um espírito português que tem tudo a ver com o fado. Xavier privilegia os ambientes introspetivos e Carter evita pôr-se em bicos de pés. Diálogo sentido, no mais fraterno sentido da palavra.

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