13/09/2008

Neil Young - Harvest Moon

Pop Rock

28 OUTUBRO 1992

CONTOS DA LUA

NEIL YOUNG
Harvest Moon (7)

LP/MC/CD Reprise, distri. Warner Music

É difícil dissociarmos “Harvest Moon” do seu antepassado “Harvest”, por muito que o seu autor insista em que se tratou de uma simples coincidência. “Harvest”, gravado em 1972, prolongamento lógico de “After the Goldrush”, projectou o nome do autor canadiano na cena rock internacional e vendeu bastante bem, na ordem do milhão de exemplares, chegando a número um no top de vendas de álbuns nos Estados Unidos. Talvez seja possível ver então na semi-sequela que é “Harvest Moon” um desejo, não necessariamente da parte do músico, em alargar o leque de potenciais consumidores.
As semelhanças começam logo pela escolha da banda, que é a mesma de “Harvest”: os Stray Gators, formados por Kenny Buttrey (bateria), Tim Drummond (baixo), Bem Keith (“steel guitar”) e Spooner Oldham (piano). Jack Nietzsche volta a ser convidado para assinar os arranjos de cordas de um tema, neste caso “Such a woman”, à semelhança do que havia feito em “Harvest”, com “A man needs a maid”. Citem-se ainda os nomes de Linda Ronstadt, James Taylor e Nicolette Larson (que já participara em “Harvest”), presentes em “Harvest Moon” para darem um ajuda nos apoios vocais.
“Harvest Moon” significa uma rotação de 180 graus em relação ao anterior “Weld”. Depois da neurose, a pacificação. Depois da violência e do ódio, o amor. A guitarra eléctrica ultra-saturada e à beira do colapso cede o lugar às reverberações da sua irmã acústica. “Weld” retratava a paranóia urbana, registada no centro do furacão, em plena guerra do Golfo. “Harvest Moon” retorna à serenidade dos campos americanos, iluminados pela Lua, contra a qual se recorta uma figura de espantalho. Um tom de abandono que serve de pano de fundo a canções de amor, nas quais Neil Young volta a enfrentar alguns dos seus fantasmas, mas agora em tempo de paz, no silêncio permitido pela solidão.
O som é amplo, espelhado, feito de pausas e ecos. A serenidade raramente é quebrada. Uma “steel guitar”, uma harmónica e coros celestiais dão logo no tema de inicial, “Unknown legend”, o tom que domina todo o álbum. Música dos grandes espaços, da América ainda com capacidade de sonhar. “From Hank to Hendrix”, primeiro grande tema de “Harvest Moon”, convoca as imagens dos ídolos, os verdadeiros e os de barro, enquanto ao longe assoma o espectro de Bob Dylan.
“You & me”, “Harvest Moon”, “War of man”, este impelido por uma poderosa linha de baixo, e “One of these days” não se afastam do ambiente geral de intimismo e introspecção. Convocam-se amores e amigos, escrevem-se cartas, trocam-se palavras e recordações.
O segundo lado consegue ser ainda mais amplo. O som torna-se espacial. O piano e as cordas embalam a história de amor que se conta em “Such a woman”. “Old king” (não é sobre Elvis mas sobre a morte do cão de estimação que acompanhava o músico a todo o lado) quebra por instantes a superfície lisa do lago, entre os soluços de um banjo e um registo declaradamente “country”. “Dreamin’ man” conta a loucura e a incapacidade de lidar com a realidade. Qual realidade? Neil Young, americano, nascido no Canadá, é por natureza o estrangeiro, o caminhante das estradas solitárias que terminam no pôr-do-sol. Por essa estrada interminável vão os passos do tema final, “Natural Beauty”, longa litania gravada em Portland, ao vivo e em cores “gospel”, sobre a beleza ambiental e a sua degradação, observada por quem sente pelos “states” uma indiferença apaixonada – misto de proximidade e distância, intervenção e afastamento crítico, ódio e desejo. “Harvest Moon” não é um grande álbum, nem sequer dos melhores de Neil Young, mas tão-somente uma visão lúcida e desencantada da América de hoje, protagonizada por um viajante eternamente de passagem.

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